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RAIO X
"Bunker" de Lula toma lugar do PT na elaboração de programas
Instituto Cidadania, fundado há 10 anos, prepara projetos setoriais para petista
DA REPORTAGEM LOCAL
Longe das plenárias, das assembléias e das disputas frequentes
entre as tendências do PT, é num
prédio silencioso, com dois andares e vidro fumê que se escreve
grande parte do programa de governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
Rua Pouso Alegre, 21, no bairro
do Ipiranga, zona sul de São Paulo. Ali funciona, muito discretamente, o Instituto Cidadania, a
organização não-governamental
fundada e dirigida por Lula há dez
anos. Não é por acaso que muitos
petistas se referem ao Instituto
como um "bunker". Os vidros fumês que lhe ornam a fachada são
uma imagem sugestiva para ilustrar a dificuldade de acesso à casa
política do pré-candidato petista.
A reportagem da Folha procurou durante uma semana obter
informações triviais -sobretudo
para um partido que usa a defesa
da transparência como ativo político- sobre o funcionamento do
Instituto. Apenas na última sexta-feira, depois de sucessivas recusas
e dificuldades impostas pela assessoria, o jornal conseguiu conversar com o presidente do IC,
Paulo Okamotto.
Descendente direto do Governo
Paralelo que Lula montou para
organizar a oposição ao governo
Fernando Collor (1990-92), o IC,
formalmente uma ONG, teve no
ano passado um orçamento de R$
800 mil, proveniente do PT, de
um quadro de 250 associados e de
patrocinadores de seus projetos.
Entidade sem fins lucrativos, o
Instituto prepara, no momento,
quase uma dezena de projetos setoriais para serem defendidos pelo pré-candidato em sua quarta
campanha presidencial.
Em todos eles, a participação do
PT, o partido político, é virtualmente nula. Quem prepara, escreve e divulga as idéias que serão encampadas por Lula é um grupo
escolhido a dedo pelo líder do PT.
São pessoas de inteira confiança
de Lula, que têm a moderação como traço comum. A defesa da
ruptura radical com o modelo vigente, slogan comum entre militantes e caciques do partido, passa
longe do prédio do Ipiranga.
O Instituto já finalizou programas para moradia, segurança pública e erradicação da fome, além
de um rascunho sobre a área econômica. Vêm a seguir projetos
para energia, ciência e tecnologia,
geração de emprego, reforma administrativa, política industrial e
reforma política.
"Desde 98, o Instituto intensificou os seus trabalhos. Tornou-se
mais ativo e produziu mais", diz o
professor da FGV Guido Mantega, coordenador da equipe de
economistas do IC.
Os objetivos e método concentrado de trabalho da ONG incomodam alguns petistas. A esquerda do partido acusa o Instituto de
usurpar funções próprias do partido político. Reclama do que diz
ser imposição de um programa à
massa de filiados.
"O Instituto Cidadania é a holding pela qual o Lula controla o
PT e a CUT", afirma o deputado
federal Milton Temer (RJ), estrela
da ala radical do PT. "O Instituto,
como fórum, pode ter função positiva. Mas não deve ser o motor
de arranque do debate", diz.
A confusão entre o Instituto e o
PT é frequente. São duas entidades em tese autônomas, mas na
prática não totalmente: o partido
paga uma "mesada" de R$ 23 mil
à ONG de Lula.
Instados a explicar a relação, integrantes da direção petista apressam-se em dizer que os planos
preparados pela ONG de Lula,
embora feitos sob a coordenação
do candidato a presidente e com a
participação de alguns dos principais cérebros do partido, não são
o programa de governo. Repetem
o bordão de que o IC se limita a
fornecer subsídios para o PT elaborar a sua proposta.
Versão oficial à parte, restam
poucas dúvidas de que a linha
mestra do que Lula defenderá tem
origem no prédio do Ipiranga,
onde fica seu escritório -e onde
ele pode ser encontrado com mais
facilidade do que na sede do PT.
Intelligentsia
"O trabalho do Instituto é o subsídio principal [ao programa do
PT". Na economia e na segurança
pública, é o único. É o que Lula
pensa, é o trabalho da intelligentsia", reconhece Mantega.
A intelligentsia a que se refere o
economista compreende, além
dele próprio, figuras como o deputado Aloizio Mercadante (programa de economia), o professor
da Unicamp José Graziano (erradicação da fome), o físico Luiz
Pinguelli Rosa (energia), o antropólogo Luiz Eduardo Soares (segurança), entre outras.
Cansado das discussões partidárias, para as quais tem cada vez
menos paciência, Lula hoje gasta
mais tempo em seminários do
Instituto do que no dia-a-dia do
petismo -tarefa que deixa para o
presidente do partido, José Dirceu. Na associação à imagem "leve" do Instituto, busca um contraponto à pecha de radical, sem
preparo e sem propostas, raízes
de seus altos índices de rejeição.
"O Instituto é um espaço que
não fica restrito à atuação de um
único partido", diz Okamotto.
Livre da patrulha interna, o cacique petista se permite conversar
com pessoas de fora do PT. Do
programa econômico, participaram especialistas como Luiz Gonzaga Belluzzo e Luciano Coutinho, ligados historicamente ao
PMDB, e o embaixador Samuel
Pinheiro Guimarães.
Em um seminário do Instituto
contra a fome, Lula debateu com
o ex-senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA). "No PT, um
debate com ACM seria impensável. Mas no Instituto ele teve a
oportunidade", declara Mantega.
Muitas vezes, apesar do cuidado
para não melindrar os "excluídos" de dentro partido, ocorre
um curto-circuito. Como no ano
passado, quando a Folha revelou
o teor do esboço do programa
econômico em gestação no IC.
Cobrado dentro do partido, Dirceu repetiu a teoria de que era
apenas um "subsídio". Mas o estrago já estava feito.
"Quando figuras de projeção do
partido avalizam um plano como
aquele, fica difícil dizer que não é
do PT", critica o ex-prefeito de
Porto Alegre Raul Pont, da ala
"radical" petista.
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