São Paulo, terça, 17 de março de 1998

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CELSO PINTO
As novas tarefas da Camex


O Brasil "não tem mais do que 20 meses para trazer as taxas de juros para níveis decentes". São apenas dois anos para completar a transição em direção a um crescimento sustentável.
É a partir dessa constatação que José Roberto Mendonça de Barros, secretário de Política Econômica da Fazenda, define o papel que exercerá a partir de abril, como secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Ele vai ajudar a formular e coordenar as políticas que poderão viabilizar a transição.
Para os juros caírem e a economia decolar, diz ele, é precisar completar o ajuste fiscal, viabilizar o acerto externo pelo crescimento das exportações e avançar na reestruturação produtiva. A Camex só não se envolverá mais fundo na área fiscal.
Em compensação, pretende avançar muito na reestruturação produtiva. "No fundo, transformando alguns conceitos que amadureceram em idéias operacionais claras", define. Conceitos, por exemplo, como o da necessidade de formular políticas para cadeias produtivas, não apenas para setores isolados. Ou o conceito de que não dá para obter resultados no comércio exterior, ou na política industrial, repetindo fórmulas que somam subsídios com proteção.
O problema, admite, é que o governo sabe mais claramente o que não deve fazer, em termos de política industrial, do que o que deve fazer. É preciso "eliminar a desvantagem competitiva do setor produtivo nacional".
O que passa por pelo menos seis pontos: 1) redução de impostos; 2) redução dos juros e reestruturação do mercado de capitais (dando acesso, por exemplo, a pequenas e médias empresas); 3) redução do custo Brasil; 4) defesa da concorrência; 5) políticas horizontais (por exemplo, de ciência e tecnologia) e 6) treinamento e educação.
Esta, obviamente, é uma agenda para todo o governo. A Camex reúne, mensalmente, todos os ministérios potencialmente envolvidos na tarefa. O ministro Clóvis Carvalho funciona como coordenador das políticas da câmara. A entrada de José Roberto, abaixo dele, deve fazer com que a Camex suba um degrau e avance mais na formulação de políticas.
Pode ficar parecendo com o antigo projeto de criar um Ministério de Comércio Exterior, sem formalizá-lo. José Roberto garante, contudo, que jamais foi examinada a hipótese de transformar a Camex, no futuro, num ministério deste tipo. Ela pode acabar sendo, apenas, um arranjo operacional temporário. Certamente vai haver problemas de disputa de poder e de idéias.
Um efeito prático será o de que o governo deverá discutir, formular e assumir de forma muito mais desenvolta uma política industrial (que foi anátema durante algum tempo) e produtiva de forma geral. José Roberto diz que a noção de que o país não vai andar apenas pelo "laissez-faire" é uma idéia vencedora no governo.
Como o país não tem muito mais tempo para viver pendurado em juros altos, essa nova ênfase no setor produtivo pode ter outro efeito prático, que ele não comenta. Se a oposição insistiu tanto em caracterizar o primeiro mandato de FHC como o "governo dos banqueiros", o esforço será tentar vender a idéia de que o segundo mandato será mais dedicado ao mundo da produção real.
Prêmio Nobel
Em 91, o Prêmio Nobel de economia (de 90) William Sharpe, encontrou-se com o Prêmio Nobel de economia (de 70) Paul Samuelson. "Você está vendendo suas ações?", perguntou, de chofre, Samuelson. "Não, e você?", devolveu Sharpe. A resposta de Samuelson: "Também não, mas não estou conseguindo dormir bem à noite".
Sharpe contou ontem esta história, num almoço com quatro jornalistas, no Rio, para ilustrar as dificuldades de previsão nos mercados e justificar porque evita fazê-las. Sharpe ganhou seu Nobel pela fórmula que desenvolveu para avaliação de performance de fundos de investimento e de ações. O Banco Marka e a Nikko Securities, que estão completando uma associação numa empresa de gestão de recursos no Brasil, trouxeram Sharpe ao país.
Coerente, Sharpe não arrisca dizer se a crise asiática acabou, muito menos se o mercado acionário americano vai sofrer novas correções. Consultor de cinco fundos de pensão, que administram US$ 200 bilhões, o que Sharpe afirma é que a política de investimentos destas instituições na Ásia e nos países emergentes não mudou muito. Nem deve mudar muito.
Lições que ficam, para países como o Brasil, são em favor da transparência, da qualidade dos ativos bancários e de não ter um sistema onde pareça que os bancos serão sempre, em última instância, salvos pelo governo. A crise deixa como herança, também, uma rediscussão, que ele acha oportuna, dos modelos de análise de risco do sistema financeiro.
A idéia que manter capital mínimo para cada tipo de ativo é suficiente para domar o risco, como prevêem as regras da Basiléia (seguidas em todo o mundo, inclusive no Brasil), já não basta. Aceitar sistemas mais sofisticados, criados pelos próprios bancos, é um bom caminho a ser aperfeiçoado.
Vale, também, o bom senso. "A primeira coisa que deve preocupar é quando uma área, numa instituição financeira, está ganhando muito dinheiro", diz. "É sinal de que está assumindo muito risco".
Tentar saber o que Sharpe pensa, de fato, sobre o futuro, olhando onde está investindo seu dinheiro, também não funciona. Perguntado se depois da crise asiática havia colocado mais ou menos dinheiro em ações ou renda fixa, ele ri e desconversa: "Nenhum dos dois: comprei um barco".




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