São Paulo, segunda-feira, 17 de abril de 2006

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CRISE NO GOVERNO/ VIOLAÇÃO DE SIGILO

Em teses apresentadas por advogados, ninguém aparece como responsável por violar sigilo

Defesas de Palocci e Mattoso criam versão sem culpados

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

As teses de defesa dos dois principais personagens envolvidos na quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa na CEF (Caixa Econômica Federal) combinam-se, salvo uma ou outra lacuna, para produzir uma versão com começo e fim indefinidos para o episódio -mas que já é contestada pela Polícia Federal.
José Roberto Batochio e Alberto Toron, respectivamente os advogados contratados para defender o ex-ministro Antonio Palocci Filho e o ex-presidente da CEF Jorge Mattoso, sustentam argumentação destinada a poupar seus clientes: ninguém foi responsável nem pela ordem de violar o sigilo bancário de Francenildo nem pelo vazamento das informações.
Os advogados afirmam que a ação de seus clientes no episódio se deu nos limites do cumprimento de uma rotina burocrática, ou seja, nem sequer teria havido violação do sigilo, mas uma simples verificação de dados bancários para confirmar a suspeita de que Francenildo Costa teria sido pago para testemunhar contra Palocci.
Tanto Palocci como Mattoso negam responsabilidade pelo vazamento dos dados da conta do caseiro ao blog da revista Época antes mesmo que o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, recebesse o comunicado de suspeita de movimentação atípica na conta corrente de Francenildo.
Segundo Batochio, as versões de Palocci e Mattoso são "harmoniosas". Nos últimos dias, o advogado apelou até a um dos princípios da atividade jornalística -o sigilo da fonte- para sugerir que dificilmente serão identificados os responsáveis pelo crime. "As autoridades estavam autorizadas a manipular os dados, o crime ocorreu no vazamento", disse. "Espero que não caia esse baluarte da imprensa, o sigilo da fonte."
O miolo da versão defendida pelos advogados prosperou no resultado da investigação interna da CEF, concluída na terça-feira sem responsabilizar nenhum funcionário. Em nota, a estatal afirma que o comportamento de Mattoso não foi considerado ilegal.
Mas a versão não deve resistir ao primeiro relatório parcial das investigações da Polícia Federal, que deve ser concluído nos próximos dias. O delegado já indiciou Mattoso e Palocci por suspeita de crimes de quebra de sigilo bancário e violação do sigilo funcional. A lista de crimes pode crescer com a eventual inclusão de prevaricação e denunciação caluniosa.

Jardineiro
Os depoimentos colhidos pela PF não esclarecem totalmente a violação do sigilo e o vazamento das informações, mas fornecem peças para o quebra-cabeça.
Na quinta-feira, 16 de março, Palocci estava "contente" e "entusiasmado" com a informação de que o caseiro teria sido pago para apontá-lo como freqüentador da casa alugada por ex-assessores da Prefeitura de Ribeirão Preto para atividades de lobby.
O humor de Palocci com a informação dada por um jardineiro vizinho à casa foi relatado à PF pelo secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Daniel Goldberg era convidado do ministro na noite em que Palocci recebeu de Mattoso o extrato.
O ex-presidente da Caixa contou à PF ter tido acesso -sem dizer como- à suspeita sobre o caseiro. Mattoso esteve com Palocci no Planalto antes de determinar a subordinados a pesquisa dos dados bancários. Em seu depoimento, revelou que recebeu um telefonema do então ministro logo depois de receber os documentos do assessor Ricardo Schumann, ainda enquanto jantava. No telefonema, deu um primeiro informe sobre os extratos, antes de entregá-los pessoalmente a Palocci.
Palocci nega que tenha pedido o extrato, diz que recebeu os documentos numa conversa que não durou mais do que cinco minutos, por volta das 23h daquela quinta-feira, destinada, segundo o ex-ministro a discutir a abertura de escritórios da Caixa no Japão.
"O vazamento não partiu dele [Mattoso], ele reafirma que entregou a cópia [do extrato] de que dispunha ao ministro", afirmou o advogado de Mattoso.
Palocci contou à PF versão inverossímil sobre o destino do documento. Nega que tenha repassado o extrato, que teria sido destruído num triturador de papéis.
O ex-ministro preserva o então assessor Marcelo Netto, suspeito do vazamento, que deve ser ouvido hoje. Para Eduardo Toledo, advogado de Netto, se houve crime, foi antes do repasse das informações à imprensa.


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