São Paulo, Quinta-feira, 17 de Junho de 1999
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MARCAS DO PASSADO
Monteiro nega ter sido algemado, o que justificaria escoriações
Ex-padre contesta defesa do diretor da Polícia Federal


WILSON SILVEIRA
da Sucursal de Brasília

O ex-padre José Antônio Monteiro disse ontem que nunca foi algemado, nem por um minuto, e aceitou participar de uma eventual acareação com o novo diretor da Polícia Federal, João Batista Campelo, a quem acusa de torturador.
Segundo Campelo, as escoriações que Monteiro tinha no pulso, depois de ter sido preso, em agosto de 1970, foram causadas por algemas, não por ter sido submetido a tortura em pau-de-arara, como afirma o ex-padre.
Monteiro depôs ontem na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, depois de passar três horas no serviço médico da Casa, recuperando-se de uma crise hipertensiva. Campelo depõe hoje.
O deputado Jair Bolsonaro (PPB-RJ), que foi buscar resultados de exames no serviço médico, viu os jornalistas na porta e perguntou quem estava sendo atendido lá. Informado de que era o ex-padre, afirmou: "É nisso que dá torturar e não matar".
Bolsonaro, ex-capitão do Exército, foi ao seu gabinete e voltou para a porta do serviço médico, com fotos de corpos de militares mortos por guerrilheiros, afirmando que esses crimes é que deveriam estar sendo investigados.
O deputado disse também que "a situação do país seria melhor hoje se a ditadura tivesse matado mais gente". Questionado por um jornalista se havia feito exame de sanidade mental, o deputado disse que seus exames mostravam que ele estava "100% bem".
A pressão arterial de Monteiro estava a 20 por 11 quando ele chegou à Câmara, às 11h40. No aeroporto, vindo de Maceió, ele já demonstrava nervosismo (seus lábios tremiam), pelo fato de sua bagagem, inclusive papéis que trazia para o depoimento, ter sido extraviada pela Vasp.
O chefe do serviço médico da Câmara, Luiz Henrique Hargreaves, disse que Monteiro foi medicado com o anti-hipertensivo Capoten e que se sentiu bem em seguida.
Monteiro voltou ao serviço médico por alguns minutos, pelo mesmo problema, depois de fazer sua exposição na comissão, no momento em que começariam as perguntas.

Algemas
Monteiro disse que, quando foi preso, foi visto por várias pessoas, no trajeto de Urbano Santos (MA), onde morava, para São Luís, onde foi interrogado, e que essas pessoas podem comprovar que ele não usava algemas.
Segundo ele, foi uma viagem de oito horas, com uma ou duas paradas para descanso, quando curiosos se aproximaram para ver "o padre preso".
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) está tentando promover uma acareação entre Monteiro e Campelo no Senado. Ontem, proposta nesse sentido foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado.
Em seu depoimento, o ex-padre repetiu que foi espancado por soldados enquanto era interrogado por Campelo e colocado em pau-de-arara três vezes.
Segundo Monteiro, Campelo ajudou os soldados a colocá-lo no pau-de-arara uma vez, embora costumasse sair da sala durante a tortura.
Monteiro afirmou também que não exercia função disciplinar no seminário quando Campelo era aluno e que lá não havia castigo físico, ao contrário do que afirma o diretor da Polícia Federal.
Para o ex-padre, a posse de Campelo na PF é um retrocesso político. "Parece que o presidente Fernando Henrique Cardoso não está governando", disse.
O vice-líder do governo na Câmara Elton Rohnelt (PFL-RR), aliado de Campelo, disse que as investigações do governo levam a crer que não há fundamento nas acusações ao diretor da PF. O deputado Nilmário Miranda (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos, disse considerar Campelo culpado.


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