São Paulo, Quinta-feira, 17 de Junho de 1999
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LAUDO ESQUECIDO
Legista diz que bomba estava com sargento

Patrícia Santos - 14.jun.99/Folha Imagem
Elias Freitas, cujo laudo foi desconsiderado pelo Exército


FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Sucursal do Rio

Dezoito anos depois de ter feito a necropsia do corpo do sargento Guilherme do Rosário, morto pela explosão da bomba no Riocentro, o médico legista Elias Freitas, sustenta: a bomba explodiu no colo do militar.
"Eu vi uma destruição do quadril, com amputação parcial da coxa direita, destruição da genitália e feridas pela face e pelo rosto. O epicentro da explosão foi o quadril. Dilacerou tudo. Ele estava sentado com aquilo no colo", disse o médico à Folha. Freitas, 72, é hoje diretor do Hospital da Polícia Civil, no Rio.
A explosão no Riocentro aconteceu na noite de 30 de abril de 1981, durante um show em comemoração do Dia do Trabalho, matando Rosário e ferindo o então capitão Wilson Luiz Chaves Machado, hoje coronel. Os dois estavam no estacionamento, dentro de um Puma.
Freitas dava plantão no Instituto Médico Legal e recebeu o corpo do sargento para necropsia. O laudo feito por ele à época, apontando que Rosário estava com a bomba no colo, acabou desconsiderado no inquérito conduzido pelo Exército. Segundo esse inquérito, o capitão e o sargento foram vítimas de um atentado de esquerda.
Hoje, o mesmo laudo é peça fundamental para a reabertura das investigações sobre o caso Riocentro.
O legista, surpreendentemente, diz que esclarecer o que houve é importante para a história do Brasil, mas aponta outras prioridades para o país, como o combate à miséria.
"Como médico, vendo tanta miséria, acho que é jogar dinheiro fora. Historicamente é importante. Mas o Brasil não está dependendo de história, não. A mocidade está desempregada. O povão não vive de história, o povão vive de realidade. Eu reabriria se não gastasse dinheiro."
Freitas diz que nunca recebeu pressões do Exército. Afirma também não saber por que suas conclusões não foram levadas em conta, mas critica a investigação conduzida pelos militares e diz que "o Exército, na certa, está defendendo o lado dele".
"Eles fizeram uma sindicância. Se não chegaram aonde queriam, foi porque não quiseram. Ou são burros ou são desonestos. O laudo está lá, não foi jogado fora nem pode ser", afirma.
Freitas diz não saber quem ordenou a operação no Riocentro. Mas, com base no que viu na necropsia, afirma: "Eles (os dois militares) tinham que saber o que estavam fazendo. Se eles estavam com aquele artefato, alguma coisa pretendiam fazer. É uma conclusão evidente".
O legista vai além: "É lógico que, se estava no colo dele (Rosário), ele levou. Será que alguém foi dar aquele embrulhinho para ele carregar? Esse segredo, se existe, deve estar com o (ex-) capitão".
Freitas diz que também sofreu por causa do laudo do Riocentro. Segundo o legista, alguns colegas médicos acharam que ele estava ligado à tortura e, com o laudo, ajudara a acobertar os responsáveis pelo atentado.


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