São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2005

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ELIO GASPARI

O que fazer? Nada

Constituinte, revisão, Conselho da República, reforma política. Tudo parolagem. O que o governo precisa é fazer nada. Basta que governe.
Não se deve fazer nada porque tudo o que precisa funcionar está funcionando. Há três Comissões Parlamentares de Inquérito fazendo seu serviço, quase sempre ao vivo e a cores. A Polícia Federal e o Ministério Público cumprem suas tarefas com admirável serenidade. A imprensa e o Parlamento funcionam sem qualquer inibição. As pessoas que preferem se manifestar na rua pintam suas caras, gritam e voltam para casa. A crise é produto da normalidade democrática e os instrumentos da normalidade democrática revelam-se suficientes para abrigá-la. Uns poucos remendos convenientes não justificam uma reforma.
A idéia de que a cada rolo e a cada governo deve-se reformar o Estado e reinventar Pindorama é uma mistificação destinada a deixar as coisas como estão. Coisa assim: é preciso mudar as leis porque elas são falhas e, como são falhas, enquanto não forem mudadas, não serão cumpridas. De outra maneira: as leis não são cumpridas porque são falhas e são desrespeitadas porque não foram mudadas. Esses argumentos nada têm a ver com o aperfeiçoamento das leis. São disfarces da preservação do privilégio e da impunidade.
Qualquer transação de caixa dois, dessas que azeitaram a campanha de Lula e Duda Paz e Amor, envolve pelo menos três delinqüências que custam, por baixo, quatro anos de cadeia. É nessa moldura que o Ministério Público está investigando a roubalheira companheira. Não será a reforma das leis que levará Duda Mendonça a dispensar seus caraminguás caribenhos. Pelo contrário: cacarejou-os tanto com Maluf como com Lula. Ele e seus similares só vão parar de fazer campanhas com caixa dois quando tiverem medo de virar Toninho da Barcelona. Antonio Claramunt (seu verdadeiro nome) deixou o mercado de câmbio sem que fosse necessária uma reforma bancária. Bastaram a polícia, um promotor e o juiz que lhe deu 25 anos de cadeia, mandando-o para a penitenciária de Avaré. Se empresários, parlamentares, governantes e candidatos começarem a temer a Pousada Avaré, o caixa dois acaba.
Caixas pretas e mensalões são a raiz do contubérnio dos governantes com a plutocracia. Há ministros que negam a empresários o cumprimento das leis e empresários que redigem pacotes de projetos pecaminosos para burocratas deslumbrados. Quando a Telemar torna-se sócia do filho do presidente da República, um biólogo reciclado em micreiro, vê-se o grau de naturalidade com que se misturam concessionários de favores públicos e concessões de serviços privados.
Chega a ser risível que, a pretexto de uma reforma política, se queira empurrar o voto de lista em cima da patuléia. Trata-se de um sistema no qual deputados ganham suas cadeiras seguindo uma ordem de precedência organizada pelos partidos políticos. Isso significa que a lista do PT seria organizada por Lula e seus mosqueteiros: José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino. No PTB, a tarefa seria de Roberto Jefferson. No PL, decidiria Valdemar Costa Neto.
Faz tempo que o Brasil carece de um presidente que chegue ao Planalto às oito da manhã e fique lá até as seis, cuidando do cotidiano nacional. Não será fácil, mas Lula pode tentar.


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