São Paulo, quarta-feira, 17 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/HORA DAS PROVAS

Tesoureiro informal do PTB diz que acompanhou o publicitário a Lisboa; a viagem, declara, teria sido acertada por José Dirceu

Valério afirmou ser do PT, diz Palmieri

DA AGÊNCIA FOLHA, EM BRASÍLIA

DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri, afirmou ontem em depoimento à CPI do Mensalão ter acompanhado o publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza em viagem a Lisboa cujo objetivo seria tentar obter cerca de R$ 24 milhões da Portugal Telecom. Palmieri disse que Valério se apresentou como sendo "do PT do Brasil".
Ao relatar a viagem, ocorrida em janeiro deste ano, Palmieri disse que teve um rápido encontro com o presidente da empresa portuguesa, Miguel Horta e Costa, informação negada tanto pelo publicitário quanto pela Portugal Telecom.
O tesoureiro do PTB detalhou ainda como os recursos entrariam nos caixas do PTB e do PT. "O dinheiro entraria por meio de uma tele no Brasil e não de lá [Portugal] para cá", disse. Em seguida, tentou retificar sua declaração, mas foi impedido pelo presidente da comissão, senador Amir Lando (PMDB-RO). "Está nos autos, o que vale é o que está gravado", disse Lando.
Entre outros investimentos no Brasil, a Portugal Telecom é sócia da Telefônica na empresa de telefonia celular Vivo. Miguel Horta e Costa nega ter se reunido com Valério nas datas citadas e diz não conhecer Palmieri. Também rechaça ter sido procurado para tratar de financiamentos a partidos.
Na sua fala à CPI, Palmieri reproduziu a versão do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), segundo quem o objetivo da viagem era obter recursos para o caixa do PTB e do PT. O acerto para o suposto repasse de recursos teria sido feito entre a empresa portuguesa e o ex-ministro José Dirceu (Casa Civil), que também nega a história. Segundo Palmieri, foi Dirceu quem marcou o encontro em Lisboa.
"Chegando à Portugal Telecom, o sr. Marcos Valério se identificou como "Valério, do PT do Brasil", e já subimos para o último andar. Chegando ao último andar, nos atendeu uma secretária, e o sr. Marcos Valério me pediu que eu e o doutor Rogério [Tolentino, advogado de Valério] aguardássemos em uma sala ao lado", afirmou Palmieri. "E ele foi falar com o sr. Miguel Horta. Ficou lá durante 30, 40 minutos. Quando ele saiu, eu perguntei: "E agora, vamos fazer a reunião?", ele falou: "Não, já está tudo conversado"."
Ex-diretor da Embratur até o início da crise política, Palmieri disse ainda que Valério afirmou, após o suposto encontro, que "o problema do PT e do PTB seria solucionado em 20 dias, aqui no Brasil". Questionado por integrantes da CPI sobre qual problema, respondeu: "Problemas de recursos para o PTB e o PT. (...) Seria algo em torno de R$ 20 milhões a R$ 24 milhões", afirmou.
Valério afirma que procurou Horta porque detém as contas de publicidade da Telemig e teria medo de perdê-las caso a empresa fosse vendida para os portugueses. Ele diz, porém, que não conseguiu se reunir com Horta na viagem de janeiro.
"Só cumprimentei [Horta e Costa] na saída. "Até logo, até logo", mais nada", disse Palmieri, que detalhou: "[Valério disse] Esse é o Palmieri, esse é o meu advogado", só isso". De volta ao Brasil, o tesoureiro informal do PTB teria relatado a viagem a Jefferson. "Mais uma vez fomos enganados", teria reagido o deputado. "Fui como testemunha para saber se realmente ocorreria essa reunião, já que o Jefferson não mais acreditava nas promessas do PT." O tesoureiro afirmou ainda não ter conhecimento de contrapartidas que a Portugal Telecom receberia do governo, como a citada transferência de recursos do IRB (Institutos de Resseguros do Brasil) para o banco português Espírito Santo, principal acionista da Portugal Telecom.

Dirceu
O depoimento de Palmieri, que compareceu à comissão acompanhado do advogado do PTB Itapuã Messias, o mesmo que defende Jefferson, corroborou as palavras do presidente licenciado do PTB. Em vários trechos, o tesoureiro afirma que Dirceu era quem dava a última palavra sobre os acordos eleitorais que PTB e PT teriam fechado para as eleições municipais de 2004.
Jefferson sempre disse que era Dirceu quem mandava no PT, não José Genoino, o ex-presidente da legenda. "A gente sempre via, depois das reuniões, o Genoino ou o Delúbio [Soares, ex-tesoureiro do PT] dizerem que precisavam ligar para o Dirceu. Depois voltavam e diziam, "está tudo ok'", afirmou Palmieri ontem.
Em depoimento sigiloso à Corregedoria da Câmara -a cuja transcrição a Folha teve acesso- Palmieri negara saber que Dirceu seria o avalista dos acordos.
A única divergência de Palmieri em relação à Jefferson foi sobre o paradeiro dos R$ 4 milhões que o deputado diz ter recebido do PT como parte de uma acordo de R$ 20 milhões firmado com o PT em 2004. Membros da CPI pediram uma acareação entre os dois.
Segundo o deputado, o dinheiro teria sido integralmente repassado aos candidatos do PTB nas eleições municipais, embora ele se recuse a informar os nomes de quem recebeu. Ontem, entretanto, Palmieri disse acreditar que o dinheiro não foi distribuído.
A exemplo de Jefferson, Palmieri disse que os R$ 4 milhões chegaram à sede do PTB em duas remessas em dinheiro vivo, colocados em um cofre. As chaves ficaram em posse de Jefferson. Ele afirmou que "dois ou três dias depois", ao questionar Jefferson sobre a "segurança" de manter a quantia no local, ouviu que os valores "já não estavam mais lá".
Integrantes da CPI disseram considerar de pouca valia o depoimento. "As pessoas só contam com a faca no pescoço. As que vêm aqui, só falam o que já se sabia. Temos que avançar nos papéis, porque dos depoimentos não vamos conseguir nada", disse o deputado Fernando Coruja (PPS-SC).
Palmieri rechaçou ainda as afirmações de Valério segundo as quais ele teria "pavor" de Jefferson e teria viajado a Portugal porque se sentia "pressionado". "Nunca tive pavor, convivo com o Roberto Jefferson há muito tempo. Temos gostos parecidos, ele gosta de jipe, e eu, de moto. Fui no casamento da filha dele, freqüento a casa, não existe isso não."
Palmieri também rechaçou a lista apresentada por Valério na qual seu nome consta entre os sacadores das agências de publicidade, outro ponto coincidente com as declarações de Jefferson. Segundo Valério, Palmieri recebeu cerca de R$ 2,4 milhões destinados ao PTB.
O petebista afirmou que nunca sacou recursos nas contas de Valério e que os saques, que totalizam R$ 200 mil, ocorreram por meio do então motorista da campanha de Ciro Gomes à Presidência, em 2002, Alexandre Chaves, que também trabalhava numa produtora de TV.
SILVIO NAVARRO, RANIER BRAGON E HUDSON CORRÊA

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