São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / ESTADOS

Collor desce do céu para ressuscitar no sertão de Alagoas

Candidato ao Senado viaja de helicóptero, é comparado a Frei Damião e sonha em voltar a Brasília 14 anos após o impeachment

Ex-presidente, que agora se declara eleitor de Lula, discursa em cenário que lembra a cidade de Sucupira da novela "O Bem Amado"

Jorge Araújo/Folha Imagem
Ex-presidente, que agora se declara eleitor de Lula, discursa em cenário que lembra a cidade de Sucupira da novela "O Bem Amado"


MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A MAJOR IZIDORO (AL)

O objeto que centenas de sertanejos viram descendo do céu no começo da tarde da quinta-feira não era pássaro nem avião, mas um helicóptero. Dele não desembarcou o Super-Homem, embora na campanha de 17 anos atrás houvesse quem classificasse na seleta família dos super-heróis o passageiro mais ilustre da aeronave.
Antes mesmo de a poeira levantada pelo giro das hélices baixar, o ex-presidente Fernando Collor de Mello, 57, ergueu o punho fechado.
Como nos tempos de triunfo, Collor gritou aos correligionários que se aproximavam para abraçá-lo e às fãs que iam beijá-lo: "Vamos lá, Major Izidoro!"
Começou assim a passagem de uma hora e 45 minutos de Collor pela cidade da bacia leiteira de Alagoas, com pouco mais de 20 mil habitantes e a 200 quilômetros de Maceió.
Foi o 62º município (há 102 no Estado) visitado desde o fim do mês passado, quando, no último dia de prazo, o antigo "caçador de marajás" se inscreveu na corrida para o Senado.
Ele esperou o Tribunal Superior Eleitoral rejeitar recurso do ex-governador Ronaldo Lessa (PDT), tornado inelegível pela Justiça Eleitoral de Alagoas, mas que mantém o direito de concorrer a senador.
Na mais recente pesquisa do Ibope, Collor já aparece à frente do deputado federal José Thomaz Nonô (PFL), que caiu de 19% para 14%. O líder Lessa tropeçou de 44% para 35%. Com 26%, Collor está a nove pontos do favorito.
É uma diferença menor que a de 2002, quando ele foi batido pelo próprio Lessa no embate pelo governo do Estado.
Se, em 1989, alcançou a Presidência pelo desconhecido PRN, Collor agora veste a camisa de um certo PRTB.
Se vencer, o presidente afastado em 1992 voltará a Brasília. Lessa pode ganhar e não levar: se os seus apelos forem derrotados na Justiça, o segundo colocado assumirá.
Além de defender a legalidade de um aumento aos professores estaduais durante a campanha municipal de 2004 -motivo da querela judicial-, os aliados de Lessa duvidam que o STF, que nunca condenou Collor, lhe dê uma cadeira se as urnas o rejeitarem.

Tatuagem
No que depender da plantadora de milho Gilda Ferreira da Costa, 65, o risco de rejeição inexiste. Às lágrimas, ela disse: "Esse homem gosta dos pobres. Parece um santo".
Gilda penou, mas não ficou para trás na caminhada liderada pelos passos -ainda- largos e decididos do ex-presidente por Major Izidoro. Não é apenas o vigor físico que remete ao político pujante de outrora. Na TV, Collor apela ao velho mantra: "Não me deixem só".
Ele palmilhou a cidade de mãos entrelaçadas com a nova mulher, a arquiteta Caroline Medeiros, quase 30 anos mais jovem do que ele, cujo nome o ex-presidente tatuou em seu pulso esquerdo.
O casal deixa na casa de Maceió as filhas gêmeas Celine e Cecile, de três meses, enquanto varre o interior. O entorno do candidato rechaça conversas sobre Rosane Malta, a ex-primeira-dama com quem o marido vivia às turras.
O rosto ao seu lado mudou, mas não o fabuloso desempenho cênico. Quando uma mulher o presenteou com uma flor, Collor a entregou a Caroline e parou a marcha para lhe sapecar um beijo de cinema. A platéia vibrou. Ao abraçar os eleitores, ele fecha os olhos e acaricia a cabeça das anciãs.
O sorriso de dentes perfeitos, em contraste com a multidão de banguelas que lhe acena, não vacila um só instante. O carisma sobreviveu aos fracassos.

Pistolagem
O Collor de 2006, contudo, é um simulacro do de 1989 -e não são apenas o cabelo pintado de preto (há quatro anos a tintura era aloirada) e a barriga, enfim insinuante, que denunciam. Ele nunca esteve tão só: até os dois filhos do primeiro casamento, próximos em 2002, estão distantes.
Não há sinais da dinheirama que o tesoureiro Paulo César Farias arrecadava. Em 2002, seu comitê de campanha ficava à beira-mar de Maceió. Hoje se esconde longe da praia.
Pela primeira vez, há mais demanda do que oferta de material de propaganda -os santinhos são poucos e os adesivos, raros. O coordenador da campanha e primeiro-suplente de Collor, seu primo Euclydes Mello, não tem secretária.
Ao candidato faltam assessor de imprensa e marqueteiro.
Seus gastos estão estimados no máximo de R$ 1 milhão (a previsão de custo da campanha de Lessa é de R$ 6 milhões). A campanha não identifica o tesoureiro nem o eventual patrocinador do helicóptero.
O que se mantém é a instrumentalização política do maior grupo de comunicação alagoano, que é da família de Collor.
No domingo, o jornal "Gazeta de Alagoas" publicou um levantamento do Gape (para os adversários, "Gafe"), instituto de pesquisa da casa, apontando o dono na liderança pelo Senado. A TV Gazeta ocultou o quanto pôde a pesquisa de intenção de voto do Ibope para o Senado, o que motivou Lessa a protestar na Justiça.
Há coisas que não acabam em Alagoas, como a pistolagem. Na segunda-feira, após uma carreata pró-Collor, o prefeito de Roteiro (AL) e dois auxiliares foram assassinados.
Na quinta-feira, seguranças de políticos ligados a Collor o protegeram. Quando a passeata alcançou a praça, o candidato subiu ao coreto. O local lembrou a cidade de Sucupira, criada para a TV por Dias Gomes nos anos 70. A novela "O Bem Amado" e o seriado homônimo satirizavam o coronelismo.
Nos novos tempos, os aliados clamaram por votos em Lula para a Presidência -como em 2002, Collor anunciou que votará no antagonista de 1989.
A maioria dos mais de mil presentes era de "descamisados", os pobres e miseráveis que formam sua base social.
No coreto, o vice-prefeito Doca Alves comparou-o ao falecido frade capuchinho: "Esse Frei Damião que não é santo, mas é um Frei Damião para arrastar a população".
Quando o helicóptero levantou vôo, após o ex-presidente cometer algumas gafes no discurso, Caroline jogou santinhos do alto. Com um filho no colo, a agricultora Luciene da Conceição, 34, se emocionou: "Isso é um anjo de Deus. Merece chegar lá de novo".


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