São Paulo, domingo, 17 de novembro de 2002

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TRANSIÇÃO

Dissidentes peemedebistas tentam convocar convenção do partido

Sem alarde, Lula estimula ação de Sarney contra Temer

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Reunidos em segredo na última quarta-feira, o senador José Sarney e o ex-governador Orestes Quércia acertaram detalhes de um plano que ganhará o noticiário nos próximos dias.
Eles integram um grupo de neolulistas que planeja a destituição da cúpula do PMDB. Informado a respeito, Luiz Inácio Lula da Silva estimula a estratégia com discrição protocolar.
Trama-se nos subterrâneos a convocação extraordinária da Convenção Nacional do PMDB, instância máxima do partido. O objetivo é acomodar no colo de Lula os 94 votos da legenda no Congresso (74 deputados e 20 senadores). Para convocar a convenção, Sarney precisa de nove assinaturas de presidentes de diretórios estaduais. Informou a Quércia, diante de testemunhas, que terá 14.
Se não for um blefe, Sarney está na bica de atropelar Michel Temer (SP), presidente do PMDB, com quem trava queda-de-braço particular. Temer conspira contra o desejo de Sarney de tornar-se presidente do Senado. Prefere o senador Renan Calheiros (AL).
Nesta semana, Lula receberá Roberto Requião. Eleito para o governo do Paraná com o apoio do PT, Requião tenta atrair para o movimento pró-convenção outros dois governadores eleitos do PMDB: Luiz Henrique (SC) e Germano Rigotto (RS).
Lula pisa o pântano peemedebista com cautela estratégica. O suporte congressual do PMDB é vital para o PT. Na ponta do lápis, o novo governo soma 220 dos 513 votos disponíveis na Câmara.
É menos que os 257 deputados necessários para assegurar quórum mínimo para a votação de projetos de lei. É muito menos que os 328 votos indispensáveis para a aprovação de mudanças constitucionais. Para piorar, o ativo de 220 votos está condicionado a transações por realizar no balcão de trocas de Brasília. A costura envolve aliados naturais como PC do B, PPS e PDT e parceiros de conveniência como o PL e o PTB.
Negociador oficial do PT, o deputado José Dirceu adota discurso dúbio. Reunido há 15 dias com Michel Temer, Renan Calheiros e Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), Dirceu disse que a fatura do PT com Sarney já foi liquidada.
Dirceu afirmou aos três que, em troca do apoio eleitoral de Sarney, o PT comprometera-se a não hostilizar Roseana Sarney no pleito maranhense. E só.
Firmou-se na reunião acordo de cooperação mútua para que o PMDB aponte o novo presidente do Senado e o PT indique o dirigente da Câmara. Restou a impressão de que estava aberto o caminho para Renan Calheiros.
Depois, em conversas com o próprio Sarney e com Requião, Dirceu disse que o encontro com Temer e cia. fora "protocolar". Convidado, não poderia ter-se furtado ao diálogo. Meia-verdade. Em realidade, foi Dirceu quem tomou a iniciativa de propor a reunião com Temer e seu grupo.
Dirceu move-se com desenvoltura. "Ele está jogando com profissionalismo. Não está fazendo discurso de menino da UNE", analisa o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), evocando o passado do presidente do PT, pontuado pela militância no movimento estudantil.
Jefferson e o resto da bancada do PTB provaram do pragmatismo do novo PT na quarta-feira. Reunido com o partido, Dirceu acenou em direção à Esplanada dos Ministérios. Nesta semana, voltará ao assunto, em conversa mais restrita. O PTB será representado por Jefferson e José Carlos Martinez, presidente da legenda. Espera emplacar pelo menos um ministro. Já esboça uma lista de alternativas.
A relação contém, por ora, quatro "ministeriáveis": Nelson Marquezelli (SP), líder ruralista; Félix Mendonça (BA), ligado a Antonio Carlos Magalhães; Walfrido Mares Guia (BA), com pendor pela área educacional; e Carlos Wilson (PE), lulista de primeira hora.
O ministério? Qualquer um. "São pessoas polivalentes", afirma Jefferson.
Os critérios do loteamento variam conforme o interlocutor. Convidado a analisar a participação do PDT, Leonel Brizola fez uma exigência. Definida a pasta que caberá ao seu partido, quer indicar não uma lista de alternativas, mas o nome do ministro a ser "chefiado" por Lula.
Tanta desenvoltura deixou irritada a cúpula do PL, que, preterida na primeira rodada de conversas, pôs-se em pé de guerra. O partido da Igreja Universal receia ficar com o que os seus dirigentes chamam de "sobras". Entre quatro paredes, o nome de Dirceu é associado no PL a palavras de calão raso.
A atmosfera de tensão contamina o PT. A ala mais à esquerda do partido ainda não deglutiu a aproximação entre Lula e Antonio Carlos Magalhães. Ao organizar a visita de Lula a Salvador, na semana passada, o PT baiano discou para o gabinete do governador Otto Alencar. Informou que o presidente eleito estaria na cidade. Se desejasse vê-lo, o governador poderia ir ao hotel.
Abespinhado, ACM disparou dois telefonemas para São Paulo. Logo seria tranquilizado. O encontro ocorreria onde o morubixaba baiano achasse conveniente. Melhor: sua presença seria mais do que bem-vista. Deu-se no Palácio de Ondina, residência oficial do governador baiano.
Dirceu vem conversando amiúde com ACM. Num desses diálogos, ouviu que o PFL vai "colaborar" com o PT no Congresso. O espírito de cooperação tende a dissipar-se em 2004, por conta das eleições municipais.
A cúpula do PMDB enxerga digitais de ACM na conspiração de Sarney contra Michel Temer. A queda de Temer interessa ao cacique do PFL. Sobretudo porque junto com ele ruiria o prestígio de Geddel Vieira Lima, líder do PMDB na Câmara e inimigo mortal do cacique baiano.
Para tentar minar Sarney, os dirigentes do PMDB difundem no partido a tese de que o entendimento do partido com o novo presidente não depende da articulação do ex-presidente. Temer defende a convocação do conselho do partido, instância intermediária entre a comissão executiva e o diretório.
A ascensão de Sarney depende da vontade dos 20 senadores que compõem a bancada do PMDB. Cabe a eles a indicação à presidência do Senado.
O grupo de Temer diz que o adversário não tem mais do que seis votos. Sarney disse a Quércia que espera ter do seu lado a maioria absoluta da bancada.



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