São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DANÇA DOS MINISTROS

Dirceu conduz negociações, mas já foi desautorizado 3 vezes

Lula ouve muito, mas reluta em tomar decisões rápidas

KENNEDY ALENCAR
RAYMUNDO COSTA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Numa novela que se arrasta há mais de um ano, a entrada do PMDB no primeiro escalão do governo revela o estilo centralizador de tomada de decisões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele ouve muito. Sobretudo o chamado "núcleo duro" do PT. Mas reluta em tomar decisões rápidas.
Por isso a operação fisiológica de ampliação da base congressual do governo se dá a conta-gotas. O chefe da Casa Civil, José Dirceu, é uma das principais vítimas do estilo presidencial: ele já foi desautorizado algumas vezes nas negociações com os aliados em geral e com o PMDB em particular.
Em dezembro de 2002, Dirceu acertou com a antiga cúpula do PMDB, que apoiara o tucano José Serra na eleição daquele ano, a entrega de duas pastas ao partido: Integração Nacional e Minas e Energia. Lula recuou na última hora. Dirceu teve de engolir.
Na época, o senador José Sarney (AP), que negociava o apoio do novo governo à sua eleição para presidente do Congresso, minou o acerto de Dirceu, argumentando que a cúpula do partido perderia poder ao longo de 2003. Foi o que aconteceu. Hoje, Sarney é o principal interlocutor do PMDB com o governo. Depois, vêm os líderes do partido na Câmara, Eunício Oliveira (CE), virtual ministro das Comunicações, e no Senado, Renan Calheiros (AL). O presidente do PMDB, Michel Temer, ligado à antiga cúpula, participa dos entendimentos, mas a costura é capitaneada por Sarney.
O principal motivo do recuo de Lula foi o temor de ficar prisioneiro de uma chantagem peemedebista para aprovar projetos de interesse do governo no Congresso. Lula avaliou que, uma vez entregue os ministérios, teria de fazer negociações de varejo político (cargos e emendas) a cada votação importante no Congresso.
Optou por começar a atender o partido no varejo, premiando os aliados mais fiéis, e jogar duro para dar os ministérios, levando a maioria da sigla a apoiá-lo em troca da expectativa de poder.
Federação de caciques regionais, o PMDB é um partido nada ideológico e muito fisiológico. Dificilmente sobrevive fora do poder. Lula soube tirar proveito disso, dizendo que só daria os ministérios depois de aprovar as reformas tributária e da Previdência -objetivos que ele alcançou.
Em maio, veio a segunda grande desautorização de entendimentos patrocinados por Dirceu. Diante das dificuldades no início da tramitação das reformas, o chefe da Casa Civil insistiu com Lula para nomear logo os ministros do PMDB. Alegou que não queria depender dos governadores.
Lula julgou a opinião de Dirceu uma armadilha e o proibiu de avançar na negociação com o partido. Preferiu fazer reuniões com governadores e conversar com os oposicionistas PSDB e PFL para obter força, intimidando eventual rebeldia peemedebista. "O PMDB não fará comigo o que fez com Fernando Henrique Cardoso", dizia Lula, citando episódios como o da imposição de ministros peemedebistas para evitar uma CPI da compra de votos para aprovar a emenda da reeleição, em 1997.
A terceira grave desautorização a Dirceu veio em novembro, quando Lula voltou da viagem à África. O presidente chegou e encontrou um cenário armado por Dirceu para fechar rapidamente as negociações com o PMDB.
Ainda faltava aprovar as reformas no Senado, mas as dificuldades de então assustaram o ministro, que achou que precisaria do PMDB. Lula discordou novamente e ficou contrariado com conversas de Dirceu nas quais ele prometeu aos aliados realizar a reforma até 15 de dezembro.
Na época, Dirceu agravou o descontentamento de Lula ao dar uma declaração defendendo a integração militar da América do Sul. Numa reunião no Planalto, Lula o repreendeu, dizendo que aquilo era assunto de presidente.
Foi a hora em que Dirceu disse que não falaria mais com a imprensa. Lula ficou dias tratando friamente o ministro, que chegou a ter crise de hipertensão e fez exames cardiológicos no Incor (SP).
Desde então, ele evita melindrar Lula. Nas conversas com os partidos aliados, deixa claro que negocia, mas que o presidente dará a palavra final. A delegação a Dirceu para conduzir os entendimentos é parte do estilo de Lula. O presidente fala pouco com os aliados. Prefere entrar só no final. Mesmo Sarney é obrigado a tratar primeiro com Dirceu. Foram raras as conversas diretas de Lula com a cúpula do PMDB.


Texto Anterior: Painel
Próximo Texto: Alianças ajudam PT só nos grotões
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.