São Paulo, quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

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JUDICIÁRIO

Projeto do ministro Márcio Thomaz Bastos abre brecha para punição de jornalistas que divulgarem gravações

Governo estuda mudar regras para grampo

JOSIAS DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A pedido do ministro Márcio Thomaz Bastos (Justiça), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve enviar ao Congresso um projeto que reformula a legislação da escuta telefônica. Contém regras para "conter abusos e desvios".
No trecho mais polêmico, a nova lei abre brecha para punir jornalistas que divulguem o conteúdo de grampos, mesmo os que tenham autorização judicial. O projeto pune a divulgação com prisão de um a três anos, mais multa.
A pena será agravada em um terço "se a divulgação se der por meio de jornais e outras publicações periódicas, serviços de radiodifusão e serviços noticiosos, bem como pela internet". Uma novidade em relação à legislação em vigor. A lei atual (nš 9.296), sancionada por Fernando Henrique Cardoso, já tipifica a quebra de sigilo de escutas como crime. A pena é até maior: de um a quatro anos de prisão. Mas não há no texto nenhuma menção a meios de comunicação.
Escaldado com tentativas anteriores de propor mudanças na legislação vistas pela sociedade como cerceadoras da liberdade de imprensa e expressão, o Planalto já avalia a possibilidade de adiar o encaminhamento do projeto ao Congresso, antes programado para fevereiro.
Ontem à tarde, em conversa com auxiliar direto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Folha ouviu que há a possibilidade de o governo estudar por tempo mais prolongado as mudanças que pretende propor.
A Folha teve acesso à última versão do projeto do governo. Encontra-se na Casa Civil. Pode sofrer ajustes pontuais antes de ser enviado ao Congresso. Mas já está definido quanto à sua essência. Abaixo, as principais inovações:

Lista de crimes - A lei em vigor permite o uso de escuta para elucidar qualquer tipo de crime, desde que punível com pena de prisão. A nova lei limita o grampo a 12 tipos de delitos: "terrorismo; tráfico de substâncias entorpecentes e drogas afins; tráfico de mulheres e subtração de incapazes; lavagem de dinheiro; contra o sistema financeiro nacional; contra a ordem econômica e tributária; contra a administração pública, desde que punidos com pena de reclusão; falsificação de moeda; roubo, extorsão simples, extorsão mediante seqüestro, seqüestro e cárcere privado; homicídio doloso; ameaça quando cometida por telefone; decorrente de organização criminosa".

Autorização judicial - Hoje um juiz pode autorizar a escuta até "verbalmente". O projeto elimina essa possibilidade. A autorização do juiz deve ser por escrito. O magistrado terá de listar indícios de prática de crime e demonstrar que as provas pretendidas não podem ser obtidas por outros meios que não a escuta.

Direitos do acusado - Os investigados passam a ter direitos não previstos anteriormente. Proíbe-se o grampeamento de diálogos dos acusados com os seus advogados. Obriga-se o juiz a dar ciência do conteúdo da escuta aos acusados. O grampo terá de ser escutado em juízo por todas as partes. Os trechos úteis ao processo serão selecionados coletivamente. Um pode impugnar a escolha do outro. A lei atual não prevê a audição dos acusados na fase investigatória. O investigado passa a ter o direito de requisitar ao juiz a realização de escutas.

Realização do grampo - Pela lei em vigor, a escuta fica a cargo da operadora de telefonia. A nova lei determina que o grampo passe a ser executado em "órgão próprio, exclusivo e centralizado". O Ministério da Justiça fixará o modo de funcionamento do novo órgão em cada Estado. A Anatel vai elaborar as normas a serem seguidas pelas companhias telefônicas.

Conversas pessoais - A nova lei transforma em crime até mesmo a gravação de conversa própria, feita sem o conhecimento do interlocutor. A regra vale tanto para gravações de diálogos telefônicos como para as chamadas escutas ambientais. Diálogos do gênero não poderão ser divulgados, exceto quando os interessados invocarem "o exercício regular de um direito". No mais, a divulgação de "conversas próprias" sujeita o responsável à pena de prisão de um a três anos, mais multa.

Interceptações ambientais - Não estavam reguladas na legislação em vigor. Pelo projeto, ficam sujeitas às mesmas regras de execução e de sigilo estabelecidas para a escuta telefônica convencional.

Outras modalidades - Além das formas convencionais de interceptação telefônica, a lei autoriza as autoridades a recorrer a outras duas modalidades de intervenção. A primeira, chamada de "impedimento", bloqueia chamadas telefônicas, impedindo que elas cheguem ao seu destino. A outra, "interrupção", prevê a obstrução da comunicação.

Prazos - De acordo com a proposta, todos os tipos de intervenção autorizados judicialmente terão um prazo de duração de 15 dias, prorrogáveis por novos períodos quinzenais, que não poderão exceder a 60 dias. Permite-se o prolongamento da interceptação telefônica para além de dois meses apenas nos casos em que o crime esteja ocorrendo simultaneamente à investigação.


Colaborou KENNEDY ALENCAR, da Sucursal de Brasília

Josias de Souza escreve o blog "Josias de Souza - Nos Bastidores do Poder" no endereço www.folha.com.br/blogs/josiasdesouza


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