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São Paulo, sexta-feira, 18 de abril de 2003

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CRIME ORGANIZADO

Governo federal avalia os efeitos de medida extrema para realizar "choque de segurança" no Estado

Lula pressiona Rio e discute até intervenção

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O governo federal passou a discutir seriamente nos últimos dias uma forma de ação para enfrentar o problema do crime organizado no Rio de Janeiro. Estuda-se reservadamente no Planalto até a hipótese extrema de decretar uma intervenção federal no Estado. O custo político de tal medida, além das reações diversas e imprevisíveis que pode gerar, torna a hipótese menos provável, mas ela não está descartada pelo Planalto.
O governo avalia que chegou a hora de levar a cabo um choque de segurança no Estado, adiado até agora, segundo o poder central, por má vontade da governadora Rosinha Garotinho (PSB).
A intenção inicial do Planalto é pressionar duramente a governadora para tentar federalizar o comando da polícia do Estado por um prazo determinado. O governo petista avalia que somente com controle federal das polícias Civil e Militar do Rio poderá coordenar ações efetivas contra o crime organizado.
Chegou à mesa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um relatório reservado da Polícia Federal dando conta de que chefes do crime organizado recebem avisos da própria polícia sobre suas operações. "O principal problema de segurança do Rio é a polícia", diz um auxiliar de Lula.
Uma eventual intervenção teria que enfrentar vários obstáculos, a começar por sua excepcionalidade. Seria a primeira medida desse tipo desde 1964 e a 13ª da história republicana, a maioria delas realizadas em períodos não-democráticos. Além disso, a intervenção interromperia a tramitação das emendas constitucionais no Congresso, atual prioridade do governo Lula, e azedaria de vez o relacionamento já ruim entre Lula e o casal Anthony e Rosinha.
Outro obstáculo: Rosinha venceu a atual ministra da Assistência e Promoção Social, Benedita da Silva (PT), na última eleição. A intervenção poderia soar a muitos como vingança eleitoral.
Por outro lado, o assunto surge no Planalto num momento em que Rosinha está vulnerável. Sua avaliação atual pela população, segundo o Datafolha, é inferior a que tinha Benedita da Silva ao lhe transmitir o cargo. A governadora enfrenta problemas de caixa e ainda deve uma parcela do 13º ao funcionalismo.

Plano de ação
Uma idéia do Planalto, segundo a Folha apurou, seria deslocar o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda, para a chefia da Segurança Pública no Estado. Outra possibilidade seria Lacerda indicar alguém de sua confiança.
Pelo artigo 34 da Constituição, a União pode intervir num Estado para "pôr termo a grave comprometimento da ordem pública". O artigo 36 prevê que a intervenção seja aprovada pelo Congresso, no prazo de 24 horas, por maioria simples dos presentes, desde que atingido o quórum para a sessão. O decreto de intervenção deve trazer "a amplitude, o prazo e as condições de execução", bem como indicar o interventor.
Feita a intervenção, algo que Lula deseja evitar, tentaria se chegar a um acordo com Rosinha para deixar a cargo da União o controle das polícias e devolver a ela o poder político.
Também pesa a favor da ameaça de intervenção o lobby de políticos fluminenses aliados de Lula, de empresários, juristas e até de organizações governamentais a favor de uma intervenção para combater o crime organizado.
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, mesmo ainda se convalescendo de uma pneumonia, tem recebido esse tipo pressão, segundo auxiliares de Lula.
Na visão do governo, a autoridade da governadora Rosinha tem se deteriorado, com ações cada vez mais audazes do narcotráfico. No início da semana, tiros de fuzil foram disparados contra a fachada do Hotel Glória, um dos mais tradicionais da cidade do Rio. Como resultado de ações assim, o Rio perdeu para São Paulo a chance de sediar em 2004 um Congresso da ONU (Organização das Nações Unidas).
Mais: para o Planalto, a briga interna no governo e na polícia também mina a autoridade de Rosinha. Na semana passada, o secretário da Segurança Pública do Estado, Josias Quintal, desentendeu-se com o chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins. Quintal interditou parte de uma delegacia, mas Lins o desobedeceu.
A Folha apurou que o Planalto considerou um erro Rosinha ter recusado a proposta de "intervenção branca" feita pelo ministro da Justiça no mês passado. A proposta previa submeter as polícias ao controle federal.
Na visão do governo, se houver a intervenção, ela precisará ser rápida para não atrasar muito a tramitação das reformas. Na prática, seria forçar Rosinha a aceitar ceder o controle das polícias para retornar ao controle político.
A Folha obteve relatos de que Lula está cada vez mais contrariado com Rosinha. Anteontem, na reunião dos governadores, ela fez, de longe, a mais dura das intervenções contra as propostas de reforma previdenciária e tributária. Rosinha avisou na reunião, por exemplo, ser contrária à cobrança previdenciária dos servidores inativos. O presidente a achou deselegante.
Lula deverá ter ainda algumas conversas com os ministro Thomaz Bastos, Dirceu e José Viegas (Defesa) para decidir de vez se optará pela hipótese da intervenção.


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