São Paulo, terça-feira, 18 de maio de 2004

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JANIO DE FREITAS

O mistério da morte

O número de requerentes já tem força por si mesmo: 53 mil. Mas existem ainda outras fortes razões para que os governos federal e paulista atentem, afinal, para o pedido de reabertura do inquérito sobre a morte misteriosa de Antonio da Costa Santos, o Toninho, prefeito de Campinas quando foi assassinado, há três anos.
As investigações deixaram um rastro de confusão, até se darem por concluídas com o depoimento de um preso, e não com provas investigatórias, de que a morte resultou de assalto malsucedido. O insucesso das investigações até então e, ainda, as circunstâncias em que surgiu a confissão seriam suficientes para tornar a conclusão inconvincente. Mas, sobretudo, não poderiam ser satisfatórias as investigações que não partissem do empenho, talvez sem igual, com que Toninho se dedicou a combater os esquemas da corrupção. E não só os internos da prefeitura, mas também os do governo estadual, do governo federal e de empresas privadas estendidos a Campinas.
Aplicar a Toninho o chavão de que "contrariava muitos interesses" é injusto para com sua ação. Não contrariava, estava desmontando negociatas em curso, destruía arranjos contratuais monstruosos como o da coleta de lixo (sempre ela em prefeituras, inclusive petistas), impedia a conhecida roubalheira praticada por certos empreiteiros de obras públicas, não menos conhecidos. Sem exploração propagandística, sem outros oportunismos políticos. E sem a atenção, nem digo o apoio, da chamada grande mídia, que fica com mais essa dívida na contabilidade de suas omissões mal resultantes.
A persistência valente da viúva de Toninho, com seus 53 mil seguidores, oferece a oportunidade de encerrar-se o que se vai configurando como outra omissão. É a do governo federal desde Fernando Henrique, particularmente a do governo paulista e, talvez por depender de uma iniciativa de fora, a do Judiciário. Os indícios que se foram acumulando e provocando novos pedidos de mais investigações receberam, todos, a indiferença oficial. Tão mais estranha quanto já se viram intervenções do governador Geraldo Alckmin para impulsionar o esclarecimento de crimes. Seria muito grave que o atual requerimento recebesse o mesmo desprezo -inexplicável, antes de dizê-lo suspeito.
Nos anos em que o teor desta coluna se voltou, sobretudo, para revelar fraudes nas concorrências públicas, assim invalidando-se umas três dezenas, somando coisa de US$ 10 bilhões, Antonio da Costa Santos, o suave Toninho, foi o único no nível superior de administração pública que me ofereceu, espontaneamente, a colaboração de suas informações. Era vice-prefeito, e a concorrência com vencedor previamente acertado, para o chamado metrô de superfície em Campinas, envolvia o prefeito Jacó Bittar e o então governador Orestes Quércia.
A direção do PT e Lula, em pessoa, defenderam Bittar, desfecharam hostilidades a Toninho e acusaram-me de publicar a revelação para prejudicar o PT nas eleições, segundo eles, como desejado pela Folha. Quércia não pôde ganhar o processo que moveu contra mim. Não tardou muito, Jacó Bittar deixava o PT, rompia com Lula e tornava explícita sua aliança com Orestes Quércia. Hoje está premiado no governo Lula com um cargo de boa remuneração.
A lembrança de Antonio da Costa Santos merece mais do que um mistério ou uma explicação que se parece muito com as fraudes por ele combatidas.


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