São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

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ANÁLISE

Crise na base exigirá intervenção de Lula

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A derrota sofrida ontem pelo governo foi política e econômica. Foi política porque ficou evidente que a base de Lula no Senado é frágil e os líderes governistas não atuam em grupo. Foi econômica porque o valor do salário mínimo em R$ 275 é diferente do que defende a equipe do ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho.
O problema econômico tende a ser resolvido na Câmara. Os deputados podem reverter a decisão do Senado. O salário mínimo voltaria para os R$ 260 desejados pelo Planalto. Mas a crise política não será solucionada sem uma intervenção direta do presidente.
A gênese da descoordenação foi o encaminhamento que o governo deu à emenda constitucional que permitiria a reeleição dos presidentes da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Primeiro, Lula não tratou o assunto com atenção. Depois, foi ambíguo ao abordar o tema com João Paulo e Sarney. Por fim, recuou e deixou que cada ministro atuasse como bem desejasse.
O resultado foi trágico. A Câmara rejeitou a emenda da reeleição em 19 de maio. A derrota foi humilhante para João Paulo e Sarney -que passaram o primeiro ano do governo Lula ajudando o Planalto a fazer o que bem entendia dentro do Congresso.
O revés cindiu a área política em dois grupos distintos. De um lado, o ministro da Casa Civil, José Dirceu, que apoiou João Paulo e Sarney. Do outro, o ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, que se alinhou com o líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros (AL). Renan é adversário de Sarney e aspira ser presidente da Casa -a eleição é em fevereiro.
Ato contínuo, quando o Palácio do Planalto precisou de toda a força disponível para aprovar o salário mínimo de R$ 260, o grupo de Dirceu, João Paulo e Sarney se movimentou só o necessário para não ser classificado como traidor. Dirceu chegou a pensar em ajudar a aprovar a MP do mínimo no Senado para faturar a vitória, mas percebeu que seria uma tarefa muito difícil e retirou o time de campo. A responsabilidade maior ficou nas mãos do ministro Aldo Rebelo e de Renan Calheiros. Os líderes governistas no Senado têm pouco poder. Não puderam ajudar a reverter o cenário adverso. A derrota foi inevitável.
O resultado prático será medido pela reação de Lula. O presidente pode concluir que não é possível ter um ministro como José Dirceu -que, ao se sentir contrariado, não consegue agir de maneira desprendida em uma votação importante como a do salário mínimo. Nesse caso, o chefe da Casa Civil sairia pior do que entrou nessa disputa.
Mas Lula também pode concluir que não tem como demitir Dirceu, o principal dirigente petista e homem forte do aparelho partidário. Nessa hipótese, mesmo sabendo que Aldo Rebelo foi sabotado, teria de remover o deputado do PC do B do Planalto e entregar a coordenação política de volta a Dirceu -na forma de outro coordenador que aceitasse se subordinar à Casa Civil.
Para sorte de Lula, não há projetos vitais para o governo a serem votados num futuro próximo. Se a Câmara reverter a decisão do Senado, tudo estará resolvido no capítulo do salário mínimo. Congressistas ficarão em recesso branco até o fim do processo eleitoral, em outubro.
Ainda assim, o Palácio do Planalto continuará sem votos para aprovar leis ordinárias e MPs, que requerem apenas maioria simples. Para os dois últimos anos de mandato, Lula terá de consertar sua articulação política. É quase certo que o desconfortável assunto da reeleição de João Paulo e de Sarney terá de voltar à pauta.


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