São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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JANIO DE FREITAS

Muito além da margem

O jornalismo é como terra-de-ninguém aberta a todas as invasões - por exemplo, em casos mais recentes, as invasões pelo economicismo alheio ao leitor, pelo neoliberalismo agora arrependido e por modalidades novas de faturamento extra de jornalistas. Na quinta e na sexta-feira, uma novidade: o jornalismo foi invadido por manifestações de percepção extrasensorial.
A primeira despontou em um site de interesse global, quando uma jornalista, já com muitos anos consumidos nas redações, difundiu que a sondagem eleitoral para próxima publicação constatava melhoria de José Serra e perda de Ciro Gomes. Na sexta-feira, a jornalista pôde fazer serviço mais completo. E ganhar companhia.
Com amplos pormenores factuais e analíticos, indicou os setores eleitorais onde a sondagem detectara a fonte da queda substancial de Ciro Gomes, com a consequente subida reanimadora da candidatura de José Serra. E, nesse caso usando o velho papel impresso, outra jornalista, provavelmente baseando-se na colega, sugeria a volta da dupla Lula-Serra ao segundo turno, com pontos de Ciro Gomes "herdados por José Serra" segundo "sinais" das próximas pesquisas.
Nas duas edições de ontem, Folha e "Globo" registravam nas primeiras páginas:
"Dólar recua pela primeira vez na semana" e "Dólar cede após cinco dias de alta". Explicação dos dois jornais para a reviravolta no mercado financeiro: "O principal fator da melhoria do humor do mercado foram rumores da subida do presidenciável José Serra" (Folha) e "rumores favoráveis a José Serra (...) diante do sucesso da primeira troca de títulos públicos".
Esperada para este domingo, o que era "a próxima pesquisa" do Datafolha ainda estava na fase de "campo" na sexta-feira, ou seja, ainda estava consultando o eleitorado. Só na noite de sexta-feira a pesquisa foi entregue à redação, para ser incluída na edição de hoje.
Ciro Gomes não caiu, ficou no mesmo índice, considerada a margem de erro da pesquisa. José Serra não subiu, foi o único a cair, indo além da margem de erro de dois pontos para empatar tecnicamente com Anthony Garotinho também no Datafolha. Mas muita gente ganhou e muita gente perdeu altas somas nas Bolsas e no mercado de moeda, sob indução dos "rumores" falsos.
Nasceriam de graça essas informações falsificadas e determinantes de lucros e perdas? O certo é que, para ficar na linguagem mais adequada ao caso, estão muito além da margem de erro do jornalismo. E olha que essa margem está tão alargada que já se perde de vista, ou não haveria ousadias como os "rumores" endolarados.


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