São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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ANISTIA

Aeronáutica pagou, desde 2002, R$ 58 milhões a cerca de 2.500 ex-militares que dizem ter sofrido perseguição política

Governo anula indenizações de ex-cabos

FÁTIMA FERNANDES
CLAUDIA ROLLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério da Justiça anulou no final de setembro e início deste mês 270 anistias concedidas a ex-cabos da FAB (Força Aérea Brasileira) pela Comissão de Anistia por entender que elas são irregulares. Desde 2002 até este mês, a Aeronáutica pagou cerca de R$ 58 milhões a cerca de 2.500 ex-cabos. A dívida com essas indenizações está estimada em R$ 560 milhões.
Essas 270 anistias anuladas haviam sido concedidas com base na portaria 1.104, de 1964, do Ministério da Aeronáutica, que limita a oito anos a permanência de um cabo na FAB. Após esse período, ele é obrigado a prestar concurso público para subir na carreira ou deixar a Aeronáutica.
Os ex-cabos argumentam que essa portaria é um ato de perseguição política, já que, na prática, eles foram impedidos de permanecer no serviço militar. Por essa razão, na avaliação dos ex-cabos, eles têm direito à indenização.
Para o Ministério da Justiça, a justificativa só é válida para ex-militares que estavam na Aeronáutica em 1964 e provarem que foram perseguidos. Assim, ela não tem validade para aqueles que ingressaram na FAB após a edição da portaria. No entender do ministério, depois de 1964, a portaria 1.104 acabou sendo caracterizada como uma simples regra administrativa.
O ministério já estuda a anulação de outras 225 anistias concedidas pela Comissão de Anistia durante o governo FHC sob a mesma justificativa. Na próxima semana, mais um grupo de 50 ex-cabos deve deixar de receber suas indenizações por decisão do Ministério da Justiça.
Para cada ex-cabo são pagos mensalmente cerca de R$ 3.300 -pensão vitalícia que corresponde ao pagamento de um militar na função de segundo tenente da Aeronáutica em 2002. Os anistiados cobram ainda valores retroativos à data que protocolaram no Ministério da Justiça o pedido de indenização -o que, em média, corresponde a R$ 240 mil.

Parecer da AGU
Após assumir o cargo, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, fez um levantamento para verificar porque tantas anistias estavam sendo concedidas sob o mesmo argumento e pediu um parecer da AGU (Advocacia Geral da União) sobre o assunto.
Um levantamento da Comissão de Anistia mostra que, no ano de 2002, foram concedidas 1.106 anistias -das quais 1.012 para a Aeronáutica. Outras 63 anistias foram dadas para a Marinha, mais 30 para o Exército e uma para a Polícia Militar.
A AGU entendeu que quem ingressou na Aeronáutica após a edição da portaria de 1964 não tem direito à anistia, porque ela é um "ato administrativo, impessoal e genérico". O parecer cita que "a portaria é ato administrativo preexistente destinado a regular a permanência no serviço militar. Não há como considerá-la ato de exceção [perseguição]."
A suspeita de irregularidades nas anistias concedidas a ex-cabos levou a Procuradoria Geral da República a investigar o assunto há dois anos.
"Merece todo o respeito os que sofreram injustiças e procuram reparo com base na Lei da Anistia [lei nš 10.559, de 13 de novembro de 2002]. Só que a anistia tem servido de pretexto a pessoas desonestas que buscam tirar proveito dos cofres públicos. É preciso anular essas anistias que considero fraudulentas ", afirma Brasilino Pereira dos Santos, subprocurador Geral da República. Segundo ele, dos 2.500 anistiados, menos de 500 têm direito comprovado à indenização.
A Procuradoria constatou que, entre as 495 anistias concedidas com base na portaria de 1964, há vários casos de ex-cabos que ainda eram crianças quando essa norma foi criada -na prática, não poderiam alegar que foram perseguidos politicamente porque a regra já existia quando ingressaram no serviço militar.
"Como pode uma pessoa que tinha 13 anos em 1964 requerer indenização por perseguição política com base na portaria 1.104?", questiona o subprocurador. "Quando ingressou na Aeronáutica, a regra que limita a oito anos a permanência de um cabo na FAB já existia. Ele já previa que seria perseguido no futuro?", completa. Outros casos que chamam a atenção da Procuradoria são de ex-cabos que se dizem perseguidos, mas que têm em sua ficha militar apenas elogios.

Investigação
O Ministério Público Federal de Brasília, que abriu processo de investigação há cerca de um mês sobre o caso, quer que o Ministério da Justiça agilize as anulações das anistias de ex-cabos. Segundo procuradores do MPF, além de suspender o pagamento, é preciso tomar medidas para devolver ao governo valores já pagos indevidamente -pagos sob o argumento da portaria.
O centro de comunicação social do Comando da Aeronáutica informa que a FAB não participou da Comissão de Anistia e não analisou a concessão dessas anistias.
A Aeronáutica informou que acata as decisões tomadas pelos ministérios da Defesa e da Justiça. A verba para pagar as indenizações vem da União. A Aeronáutica só repassa os valores aos anistiados. A folha de pagamento com os anistiados é da ordem de R$ 6 milhões por mês.


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