São Paulo, segunda-feira, 18 de novembro de 2002

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INVESTIGAÇÃO

Ministério Público do Estado de São Paulo acredita que valor foi desviado da obra da av. Água Espraiada

Empreiteira paga US$ 195 mi a "fantasmas"

ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

Levantamento inédito feito pelo Ministério Público do Estado de São Paulo mostra que a construtora Mendes Júnior, responsável pela obra da avenida Água Espraiada na gestão de Paulo Maluf (1993-96), pagou mais de US$ 195 milhões a empresas tidas como "fantasmas" pela Promotoria.
O cálculo foi feito pelo Caex (Centro de Apoio Operacional à Execução), setor técnico-científico do Ministério Público do Estado, com base em informações fornecidas pela construtora Mendes Júnior ao promotor Silvio Marques, que apura eventual superfaturamento na construção da avenida Água Espraiada.
A obra, realizada pela Mendes Júnior com a OAS, custou R$ 800 milhões à Prefeitura de São Paulo, e a Promotoria suspeita que R$ 550 milhões tenham sido desviados. Por causa da alta do dólar verificada neste ano, o valor dos pagamentos efetuados às subcontratadas representaria atualmente mais de R$ 700 milhões.
A assessoria de imprensa do ex-prefeito Paulo Maluf (PPB) afirmou que ele é vítima de uma "perseguição" supostamente empreendida pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
Seu advogado declarou que ele era prefeito na época e não tinha condições de controlar as planilhas de preços das obras. Já a assessoria de imprensa da construtora Mendes Júnior informou que não comentaria o caso (leia texto nesta página).

Beneficiados
As empresas beneficiadas pelos pagamentos da Mendes Júnior foram: STPO Serviços de Terraplanagem, Projetos e Obras Ltda., Construtora Emplo Ltda., Fomento Engenharia e Construções Ltda., Ualuna Industrial e Ambiental Ltda., Planicampo Terraplanagem Ltda., Tecla Terraplanagem e Construções Ltda., Jatobá Esquadrias de Madeira Ltda., Costaço Comércio de Ferro e Aço Ltda., João Augusto de Pádua Fleury Neto Consultoria e Assessoria Legal S/C e Conciliação Tributária e Financeira S/C Ltda..
Pessoas ligadas a algumas dessas empresas confirmaram ao Ministério Público do Estado que receberam da Mendes Júnior sem trabalhar. Segundo essas pessoas, as empresas emitiam notas fiscais frias para a construtora e devolviam 90% do valor recebido. O valor restante representava o lucro da operação.
As principais testemunhas são Sérgio Lima Santoro, ex-diretor da Planicampo, e Ricardo Augusto da Costa, que foi dono da Costaço. A Planicampo foi a empresa que recebeu a maior quantidade de recursos da Mendes Júnior: R$ 93,8 milhões (veja quadro publicado nesta página). De acordo com o Ministério Público, a Costaço recebeu US$ 1,6 milhão da empreiteira.
Segundo a Folha apurou, a Polícia Federal, que também investiga o caso, obteve confirmações referentes a outras empresas.
A Jatobá está registrada sob os nomes de Geralda Magela Cardoso e de Samuel de Souza, que morreu em outubro de 2001. Ela mora com sua família na favela do Lixão (zona sul de São Paulo). O engenheiro químico Amauri Martins Barbieri, dono da Ualuna, diz ser um "laranja". A Emplo não tem representante legal.

Negativa
Responsáveis pelas outras empresas negaram ao Ministério Público do Estado ter emitido notas fiscais frias para a construtora Mendes Júnior. "Eles têm o direito constitucional de mentir", diz o promotor Silvio Marques, que afirma estar convicto de que todas as empresas participaram do esquema de desvio de dinheiro.
Segundo a Promotoria, nem todos os pagamentos feitos pela Mendes Júnior às subempreiteiras se referem a contratos para colaboração nas obras realizadas na avenida Água Espraiada. Em alguns casos, os pagamentos referem-se a trabalhos supostamente realizados pelas subempreiteiras para outras obras executadas pela mesma construtora.
Mas, com base no depoimento de Joel Guedes Fernandes, ex-caixa da Mendes Júnior, o promotor Marques argumenta que "isso era feito para despistar".
"Não temos dúvidas de que esse dinheiro foi desviado; temos provas documentais e testemunhais disso. Esse é um dos maiores esquemas de ladroagem de dinheiro público já descobertos pela Promotoria", afirma Marques. De acordo com o promotor, "nunca foram reunidas tantas provas de desvio de dinheiro público como nesse caso".
O promotor afirma que os US$ 195 milhões "representam apenas uma parte do desvio, porque ainda não foi concluído o levantamento das notas fiscais das empresas, que também estão sendo fiscalizadas pela Receita Federal e pela Secretaria de Estado da Fazenda".

Fator K
Outro relatório produzido pelo Caex demonstra uma suposta fraude no pagamento da obra, que consistia na utilização de valores acima dos de mercado para o cálculo do custo de materiais e equipamentos de construção.
Apenas essa fraude teria gerado um superfaturamento de R$ 116,4 milhões na construção da avenida Água Espraiada, segundo o promotor Saad Mazloum, que conduz essa apuração.
Os valores eram utilizados no cálculo do fator K (índice de correção dos contratos públicos). Segundo o contrato, a correção pelo fator K deveria ser feita com base nos preços do banco de dados da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), da Universidade de São Paulo, ou da revista especializada "Construção".
Do total superfaturado, R$ 69,4 milhões foram pagos a mais pela Prefeitura de São Paulo por causa da mudança da data-base de reajuste dos contratos de junho de 1994 para junho de 1996. A mudança se deu por causa da estabilidade dos preços que se seguiu ao lançamento do Plano Real, em 1º de julho de 1994.



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