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Cisco utilizou laranjas para doar R$ 500 mil ao PT, diz PF
Em troca da doação, segundo a polícia, Caixa teria mudado o edital de leilão eletrônico
Manobra teria sido usada pelos executivos porque Justiça americana pode punir empresa envolvida com corrupção em outro país
MARIO CESAR CARVALHO
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
DA REPORTAGEM LOCAL
Documentos apreendidos
pela Polícia Federal e interceptações de conversas telefônicas
apontam que a Cisco usou duas
empresas de laranjas para doar
R$ 500 mil para o PT. Em troca
da doação, segundo interpretação de policiais, a Caixa Econômica Federal alterou o edital de
leilão eletrônico para que empresa que distribui produtos da
Cisco, a Damovo, vencesse a
disputa. O contrato da Caixa é
de R$ 9 milhões.
A Cisco é uma das maiores
corporações do mundo em redes de computadores para a internet. Suas vendas somaram
cerca de US$ 35 bilhões (R$ 62
bilhões) no ano fiscal encerrado em junho. As duas empresas, segundo a PF, também
eram usadas como biombo para camuflar a Cisco no esquema
de importação ilegal e de subfaturamento, para evitar impostos, de até 70% no valor de mercadorias exportadas pela sede
da empresa, nos EUA.
A principal prova apreendida
pela PF são dois recibos de doações de R$ 250 mil cada um para o diretório nacional do PT.
Os papéis foram apreendidos
na Operação Persona, que investiga fraudes em importações que podem ter dado prejuízo de R$ 1,5 bilhão ao Fisco.
Após ser procurada pela Folha, a Cisco anunciou o afastamento de dois executivos que
estariam diretamente envolvidos na negociação das doações.
Um deles, Sandra Tumelero,
gerente de contas da Cisco e
que atuava em negócios com a
Caixa, disse em telefonema
gravado pela PF que já tinha os
recibos em mãos.
Os recibos apreendidos estavam com Marcelo Naoki Ikeda,
diretor de vendas da Mude, empresa-cabeça do esquema para
beneficiar a Cisco, segundo a
PF. Grampos mostram que Ikeda chegou a negociar com executivos da Cisco no Brasil o pagamento de dívidas da empresa
com recursos da Mude.
As empresas que assinam as
doações, a ABC Industrial e a
Nacional Distribuidora de Eletrônicos, não têm capacidade
para doar R$ 250 mil, segundo
a PF. Foram emitidos em agosto e setembro e assinados por
Angela Silva, que integra a Secretaria Nacional de Finanças e
Planejamento do PT, um apêndice do diretório nacional.
São fartos os indícios de que
as empresas são de laranjas, segundo a investigação. A Nacional, por exemplo, foi aberta em
março de 2006 e tem capital social registrado de R$ 100 mil.
Seu suposto controlador, Gerson Orestes Soares Oliveira,
que deteria 95% das ações da
empresa, teve rendimentos de
R$ 17.493,32 em 2006. O outro
sócio, seu filho, no mesmo período, não teve renda.
A pergunta que a PF faz é: como alguém que ganha R$ 17,5
mil num ano doaria R$ 250
mil? A conclusão dos policiais é
que ele não doou; alguém usou
o nome da empresa.
A outra suposta doadora, a
ABC Internacional, tem como
suposto sócio o ex-ferramenteiro Marcos Zenatti, que mora
num conjunto residencial de
classe média baixa em Guarulhos, na Grande São Paulo.
Doar R$ 500 mil para um
partido é coisa para empresas
de grande porte. Foi esse valor
que a Schincariol, segunda
maior cervejaria do país, entregou para a campanha de Lula.
Na quarta, havia um empregado na ABC Internacional, em
Lauro de Freitas (BA), cidade
vizinha a Salvador.
A PF só conseguiu descobrir
que era a Cisco que estava por
trás das empresas de laranja
por causa das interceptações
telefônicas. Nas conversas gravadas com autorização judicial,
Carlos Carnevali Júnior, diretor de vendas da Cisco, fala
abertamente sobre as doações.
O executivo é filho de Carlos
Carnevali, que trouxe a Cisco
para o Brasil e até hoje é o responsável pela empresa perante
a Justiça. O pai foi preso pela
Operação Persona, sob acusação de fraudar importações.
Dois executivos que acompanharam a discussão sobre a
doação ao PT contaram à Folha, sob a condição de que seus
nomes não fosse revelados, detalhes do processo.
O plano inicial de Carnevali
Júnior era usar a Mude, para
fazer a doação. A Mude, a maior
distribuidora da Cisco no Brasil, recusou o papel. Dizia não
ter como justificar uma doação
desse porte. A PF não sabe bem
a razão, mas a Mude teve algum
papel nas doações. Os recibos
das duas doações foram
apreendidos com um executivo
dessa empresa, Ikeda.
Nas conversas em busca de
um doador, segundo relato dos
dois executivos, Carnevali Júnior diz que fora procurado por
um petista, que ofereceu-lhe
facilidades nos leilões da Caixa
em troca de uma contribuição.
Com a recusa da Mude, um
executivo que importava produtos da Cisco, chamado Cid
Guardia Filho apresentou o
que um deles chama de "a solução baiana": duas empresas da
Bahia intermediariam.
O dinheiro, porém, seria repassado pela Cisco em simulações de operações comerciais.
Guardia Filho está preso em
Ilhéus sob acusação de controlar empresas de fachada que
ajudavam a fraudar importações. Ele e Ernani Bertino Maciel são apontados pela PF como os controladores da Nacional e da ABC Industrial.
Foi Guardia Filho que acondicionou os R$ 500 mil em uma
mala para entregá-lo ao PT, segundo relatos dos que acompanharam o processo.
Tudo terceirizado
Policiais envolvidos na investigação acreditam que podem
estar diante de um novo modelo de relação entre empresas e
partidos. Se a investigação dependesse só dos documentos
apreendidos, a PF jamais chegaria à Cisco. Aparentemente, a
empresa terceirizou a doação
porque empresas americanas
envolvidas em corrupção em
outros países podem ser punidas pela Justiça dos EUA.
O PT, depois dos episódios da
GTech e do "mensalão", parece
ter mudado a forma de arrecadar. Nenhum militante aparece
nas gravações. Quem fala com
Carnevali Júnior sobre a doação é uma pessoa chamada
Sandra, classificada pela PF como uma lobista. Sobre ele a polícia só sabe que usa um celular
registrado em nome da Cisco.
A Cisco informou à Folha
que se trata de Sandra Tumelero. Ela é gerente de contas da
Cisco e já atendeu a Caixa e o
Banco do Brasil.
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