São Paulo, quarta, 18 de novembro de 1998

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ELIO GASPARI
Yes, temos gente atrasada

Grampo bom é grampo velho. Nos dias anteriores à privatização da Telebrás, o ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, informou o seguinte:
"Nessa fase todo mundo mente. Eu também minto".
Isso foi dito em público, publicado na imprensa.
Quem se lembra desses dias de julho passado ainda tem na cabeça os ecos da festa que foi a venda das teles da Viúva. Coincidindo com a campanha eleitoral, o leilão parecia uma chuva de maná. Chegou-se a anunciar que, uma vez privatizado, o Sistema Telebrás criaria 100 mil empregos em dez anos.
Tomara que sejam 108 mil, pois a Telemar ("telegangue", segundo o ministro das Comunicações) pretende acabar com 8.000 postos de trabalho e está espetando a faca no peito de seus funcionários para que se demitam. Isso depois de ter comprado a empresa com financiamento parcial do BNDES, gestor dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador, o FAT. Suas iniciais poderiam passar a significar Fundo de Amparo aos Trapalungas. (Ninguém sabe o que é um trapalunga, mas o FAT deixaria de vocalizar uma patranha.)
Nesses dias, enquanto Mendonça de Barros banhava-se nas boas notícias, uma voz de bom senso procurou acalmá- lo:
"Está demais, né. Estão exagerando até". (Era FFHH, capturado pelo grampo do BNDES e agora resgatado pelo repórter Expedito Filho.)
FFHH, Mendonça de Barros e André Lara Resende vieram a saber que o o leilão desandara, e a Telerj, com suas fronteiras estendidas até a Venezuela, ficara para um consórcio de muitos amigos e poucos engenheiros. Comemorara-se uma derrota.
Está certo. Era uma fase em que todo mundo mentia. O problema, hoje, é saber precisamente quem, quando e por que mentia.
Mendonça de Barros mentia ao dizer que leilão iria bem? Ou será que mentia no grampo? Mentia para André Lara Resende ou era enganado pela tucanada dos fundos de pen$ão? Talvez ele possa esclarecer ao Congresso as sinuosidades dessa fase.
Uma coisa é certa. O leilão da Telebrás vale um livro. Seu mistério central exige um pouco de paciência, mas é o seguinte:
Os grandes sistemas seriam vendidos em três movimentos. Primeiro a Telesp, depois a Tele Centro Sul e finalmente a Super Telerj. Quem ganhasse um dos leilões estaria automaticamente desclassificado nos outros. Seu envelope seria colocado numa trituradora.
Surpreendentemente, enganando sócios, a Telefónica de España ganhou a Telesp, inabilitando-se para a disputa da Tele Centro Sul. Ela ficou para um consórcio do banco Opportunity, que estava interessado na Super Telerj. Disso resultou que as teles do Rio ao Amazonas foram arrematadas por pouco mais que o preço mínimo de R$ 3,4 bilhões.
Há uma pergunta no ar: se o consórcio do Opportunity queria a Super Telerj, porque fez uma oferta para a Tele Centro Sul, que poderia significar (como significou) sua morte súbita na disputa que realmente lhe interessava?
Exercitando a imaginação, chega-se ao seguinte: se alguém soubesse que a Telefónica espanhola poderia ganhar a Telesp, seria capaz de deduzir que o Opportunity ia ao suicídio, e a Super Telerj ficaria na bacia das almas. (Nesses dias, Mendonça de Barros achou "esquisito" que um diretor do Banco do Brasil, cujo fundo de pensão estava associado à Telemar, estivesse "falando" com os espanhóis. O que vem a ser "falando"?
Vale repetir o doutor Mendonça:
"Nessa fase todo mundo mente. Eu também minto".
Em seu beneficio, registre- se que estava dizendo a verdade quando mostrava sua preferência pelo Opportunity, pois ele oferecia algo como R$ 1 bilhão além do preço mínimo.
O ministro das Comunicações diz que o grampearam enquanto tentava jogar o preço da mercadoria para cima. No que se refere ao Opportunity, isso parece verdadeiro.
Ele argumenta que induzia todos os interessados a subir suas ofertas. Pode ser, mas, se tentou fazer isso com os empresários da Telemar, não conseguiu, pois ela ofereceu apenas 1% de ágio. Craques, esses empresários. Sobretudo porque compraram a tele da Viúva com dinheiro do fundo de pensão do Banco do Brasil e com empréstimo do BNDES.
É de supor que já tenha passado a fase em que "todo mundo mente". Mendonça de Barros poderá contar à Câmara dos Deputados o que aconteceu ou, pelo menos, o que ele acha que aconteceu.
Certa vez, na velha Lapa, organizou-se um concurso para escolher o Rei dos Malandros. Elegeu-se um turista, porque malandro que se preza não se mete em lances banais de exibicionismo.
O doutor Mendonça operou o leilão com toda a esperteza de que dispunha. Pelo que se sabe hoje, "no limite da nossa irresponsabilidade" (palavras do diretor da Área Comercial e Internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira).
Deu no que deu. Seria o caso de imaginar o que diria a baronesa Thatcher ao saber que a sua idéia das privatizações acabou dando nisso.
Outro dia, num discurso em que mostrou a alma, FFHH relembrou uma velha frase do historiador Sérgio Buarque de Holanda sobre a plutocracia nacional do século 19: "Nós não temos conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada".
É.



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