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ELIO GASPARI
Peito de mulher não é caso de polícia
Logo agora que a sensualidade da mulher brasileira está
ensinando uma nova modalidade de erotismo ao mundo, a
polícia do Rio de Janeiro resolveu expor sua violência obscena às pessoas que lhe pagam o
salário. Primeiro, apareceram
20 homens armados (inclusive
com fuzis) para prender uma
senhora que mostrava seus peitos numa praia. Depois, vieram os sábios do governo Garotinho, informando que resolveram demarcar a liberdade
dos peitos, dividindo as praias
em faixas Com-Peito e Sem-Peito. Felizmente, o prefeito
Luiz Paulo Conde liberou o
busto e o veneno das mulheres
nas praias cariocas.
A proposta das faixas era hipocrisia e da boa. Se mostrar os
peitos fosse ato obsceno, o fio
dental seria coisa muito mais
libidinosa. Para quem acha
que o fio dental é pouco, a depilação pubiana requerida pelos
seus modelitos mais cavados
vai muito, mas muito além.
Pois foi a habilidade depilatória das irmãs Jocely, Jonice,
Joyce, Janea, Jussara, Juracy
and Judseia Padilha que as levou a globalizar a sensualidade nacional. Instalaram-se em
Nova York e oferecem um serviço chamado "Brazilian Bikini". Estão ganhando rios de dinheiro. Uma de suas clientes
voa de Londres para manter a
silhueta. A angelical Gwyneth
Paltrow presenteou-as com um
bilhete: ""Vocês mudaram minha vida!". (Mais informações
sobre o salão das irmãs J. no artigo de Christina Valhouli na
edição de 3 de setembro passado da revista eletrônica Salon.com. Aviso: La Paltrow recusou-se a dizer como o serviço
mudou-lhe a vida.)
Uma polícia que não tem peito para subir morros e que na
semana passada também não
o teve para apreender uma carga de maconha levada a uma
delegacia resolveu implicar
com os peitos das mulheres.
Numa cidade onde não há
vagas em boas escolas públicas,
três senhoras tiveram que ir de
madrugada para uma fila à
cata de senhas para matricular
seus filhos. Lá, foram capturadas por bandidos, levadas para
os fundos do colégio e estupradas. Apesar de ser sabidamente
uma área perigosa, não havia
polícia garantindo a segurança
das contribuintes que vão para
a fila da escola. Onde se precisa
do peito da polícia, ela não
aparece, onde os peitos aparecem sem que se precise da polícia, ela foi aporrinhar a vida
alheia.
A obscenidade da vida nacional não está naquilo que as
mulheres mostram, mas naquilo que os homens tentam esconder. Muito mais obscena
que mil pares de peitos foi, por
exemplo, a declaração do governador Anthony Garotinho,
há alguns meses, quando disse
que tinha conseguido baixar os
índices de criminalidade da zona sul do Rio de Janeiro a níveis inferiores aos de Nova
York. Era enganação. Na zona
sul do Rio, registrara-se uma
taxa de 7,5 homicídios por
1.000 habitantes, enquanto que
em Nova York esse número ficara em 8,5. Como um gordo
que vai à praia de bata, o governador escondeu que a taxa
de homicídios de todo o município do Rio é de 50,1, seis vezes
maior que a de Nova York.
Quando uma mulher resolve
ir para a praia com os peitos de
fora, mostra o que é seu. Poucas coisas são tão verdadeiras
quanto dois peitos de fora e
poucas coisas têm sido tão falsificadas ao longo dos séculos
quanto as estatísticas e os peitos escondidos. Tudo o que se
pode esperar da vida é que os
governantes passem a mostrar
as estatísticas com a mesma
naturalidade com que algumas mulheres gostam de mostrar os peitos.
A idéia do governo do Rio de
criar franquias peitorais nas
praias da cidade era uma sacrossanta hipocrisia. Faz tempo que as turistas estrangeiras,
hospedadas em frente aos hotéis de luxo, saem com os peitos
de fora. Estrangeira pode. Nativa não. Nessa aparente tolerância está embutido o clássico
desrespeito do poder público de
Pindorama para com os seus
cidadãos. Os maganos fingem-se cosmopolitas e por isso têm
medo de mandar uma turista
alemã cobrir o que prefere
mostrar. Como são primitivos,
usam fuzis para tapar seios de
brasileiras.
As mulheres têm o direito de
mostrar seus peitos na praia. Se
isso lhes pode trazer constrangimentos, problema delas.
Quem não quiser atrair olhares ou, infelizmente, comentários grosseiros, deve se resignar
aos biquínis tradicionais ou
mesmo às peças inteiriças. Nos
anos 80, houve um surto de topless na praia do Sol Ipanema.
Foi inibido pela hostilidade e
pela grosseria da platéia. Existe
a possibilidade (bem menor)
de que isso volte a acontecer. Se
for assim, pena. Fica para a
próxima.
Por enquanto, fica-se com o
consolo do prefeito do Rio ter
acabado com essa discussão de
pouca moralidade e muita truculência. Graças a Conde, a polícia fica na posição de mostrar
o peito que tem e o governador
Garotinho, em vez de pensar
em faixas peitorais, pode estudar um pouco mais, para mostrar estatísticas que, em vez de
mostrar o que lhe convém,
mostram o que há de verdadeiro por baixo do pano.
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