São Paulo, Quarta-feira, 19 de Janeiro de 2000


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ELIO GASPARI
Peito de mulher não é caso de polícia

Logo agora que a sensualidade da mulher brasileira está ensinando uma nova modalidade de erotismo ao mundo, a polícia do Rio de Janeiro resolveu expor sua violência obscena às pessoas que lhe pagam o salário. Primeiro, apareceram 20 homens armados (inclusive com fuzis) para prender uma senhora que mostrava seus peitos numa praia. Depois, vieram os sábios do governo Garotinho, informando que resolveram demarcar a liberdade dos peitos, dividindo as praias em faixas Com-Peito e Sem-Peito. Felizmente, o prefeito Luiz Paulo Conde liberou o busto e o veneno das mulheres nas praias cariocas.
A proposta das faixas era hipocrisia e da boa. Se mostrar os peitos fosse ato obsceno, o fio dental seria coisa muito mais libidinosa. Para quem acha que o fio dental é pouco, a depilação pubiana requerida pelos seus modelitos mais cavados vai muito, mas muito além.
Pois foi a habilidade depilatória das irmãs Jocely, Jonice, Joyce, Janea, Jussara, Juracy and Judseia Padilha que as levou a globalizar a sensualidade nacional. Instalaram-se em Nova York e oferecem um serviço chamado "Brazilian Bikini". Estão ganhando rios de dinheiro. Uma de suas clientes voa de Londres para manter a silhueta. A angelical Gwyneth Paltrow presenteou-as com um bilhete: ""Vocês mudaram minha vida!". (Mais informações sobre o salão das irmãs J. no artigo de Christina Valhouli na edição de 3 de setembro passado da revista eletrônica Salon.com. Aviso: La Paltrow recusou-se a dizer como o serviço mudou-lhe a vida.)
Uma polícia que não tem peito para subir morros e que na semana passada também não o teve para apreender uma carga de maconha levada a uma delegacia resolveu implicar com os peitos das mulheres.
Numa cidade onde não há vagas em boas escolas públicas, três senhoras tiveram que ir de madrugada para uma fila à cata de senhas para matricular seus filhos. Lá, foram capturadas por bandidos, levadas para os fundos do colégio e estupradas. Apesar de ser sabidamente uma área perigosa, não havia polícia garantindo a segurança das contribuintes que vão para a fila da escola. Onde se precisa do peito da polícia, ela não aparece, onde os peitos aparecem sem que se precise da polícia, ela foi aporrinhar a vida alheia.
A obscenidade da vida nacional não está naquilo que as mulheres mostram, mas naquilo que os homens tentam esconder. Muito mais obscena que mil pares de peitos foi, por exemplo, a declaração do governador Anthony Garotinho, há alguns meses, quando disse que tinha conseguido baixar os índices de criminalidade da zona sul do Rio de Janeiro a níveis inferiores aos de Nova York. Era enganação. Na zona sul do Rio, registrara-se uma taxa de 7,5 homicídios por 1.000 habitantes, enquanto que em Nova York esse número ficara em 8,5. Como um gordo que vai à praia de bata, o governador escondeu que a taxa de homicídios de todo o município do Rio é de 50,1, seis vezes maior que a de Nova York.
Quando uma mulher resolve ir para a praia com os peitos de fora, mostra o que é seu. Poucas coisas são tão verdadeiras quanto dois peitos de fora e poucas coisas têm sido tão falsificadas ao longo dos séculos quanto as estatísticas e os peitos escondidos. Tudo o que se pode esperar da vida é que os governantes passem a mostrar as estatísticas com a mesma naturalidade com que algumas mulheres gostam de mostrar os peitos.
A idéia do governo do Rio de criar franquias peitorais nas praias da cidade era uma sacrossanta hipocrisia. Faz tempo que as turistas estrangeiras, hospedadas em frente aos hotéis de luxo, saem com os peitos de fora. Estrangeira pode. Nativa não. Nessa aparente tolerância está embutido o clássico desrespeito do poder público de Pindorama para com os seus cidadãos. Os maganos fingem-se cosmopolitas e por isso têm medo de mandar uma turista alemã cobrir o que prefere mostrar. Como são primitivos, usam fuzis para tapar seios de brasileiras.
As mulheres têm o direito de mostrar seus peitos na praia. Se isso lhes pode trazer constrangimentos, problema delas. Quem não quiser atrair olhares ou, infelizmente, comentários grosseiros, deve se resignar aos biquínis tradicionais ou mesmo às peças inteiriças. Nos anos 80, houve um surto de topless na praia do Sol Ipanema. Foi inibido pela hostilidade e pela grosseria da platéia. Existe a possibilidade (bem menor) de que isso volte a acontecer. Se for assim, pena. Fica para a próxima.
Por enquanto, fica-se com o consolo do prefeito do Rio ter acabado com essa discussão de pouca moralidade e muita truculência. Graças a Conde, a polícia fica na posição de mostrar o peito que tem e o governador Garotinho, em vez de pensar em faixas peitorais, pode estudar um pouco mais, para mostrar estatísticas que, em vez de mostrar o que lhe convém, mostram o que há de verdadeiro por baixo do pano.


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