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São Paulo, quarta-feira, 19 de fevereiro de 2003

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JANIO DE FREITAS

O tempo desnecessário

A Mensagem do Executivo lida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Congresso deve ter sido um discurso brilhante e sólido. Com Getúlio comecei a ouvir discursos presidenciais, ainda incapaz de os compreender, e desde então os tenho ouvido com o máximo de atenção, embora o mínimo de vontade. Mas só o de agora me lembrou os de Getúlio: por motivos muito diferentes, não entendi nada neste, como não entendia naqueles.
O presidente informa-nos de que "a estabilidade da nossa moeda encontra-se ameaçada" e de que "o vírus da inflação voltou a ser uma ameaça real para o organismo econômico brasileiro". Mas também nos assegura que, diante disso, "o governo tem adotado as políticas adequadas".
Se o governo executa as "políticas adequadas", a "estabilidade da nossa moeda" não "se encontra ameaçada", mas defendida. Outra hipótese está, porém, igualmente ofertada: se "a estabilidade encontra-se ameaçada", as "políticas adequadas" não o são. E, nesse caso, estão mais para ameaça do que para defesa.
A "queda do dólar" que é celebrada em um parágrafo ocupa-se, em outro parágrafo, do mesmo dólar cuja "cotação voltou a subir em relação ao real", o que nega a existência da "política adequada". E é ainda o mesmo dólar que, em mais outro parágrafo, leva ao reconhecimento de que "o câmbio permanece instável e distorce nosso sistema de preços internos".
Se há "câmbio instável", a "estabilidade da nossa moeda" não "se encontra ameaçada": não existe, simplesmente, dada a lamentável impossibilidade de que "a nossa moeda" seja a um só tempo instável e estável.
Como "o câmbio permanece instável e distorce nosso sistema de preços internos", não é de admirar a constatação presidencial de que "as pessoas assistem inquietas à diminuição do poder de compra de seus salários, com a alta de muitos preços".
E a "política adequada" se adequa, então, a quê? Não sei, fui, ou sou, incapaz de entender o discurso que deve ter sido brilhante e sólido. Apenas sei, mas também não entendo, que as medidas caracterizadoras da "política adequada" -aumento dos juros estrangulantes, busca de maior saldo nas contas do governo, corte de investimentos e de verbas sociais - "durarão o tempo necessário".
Qual é esse tempo? Não sei, também. Mas posso lembrar que, no começo do seu governo, Fernando Henrique dizia ser de um ano, Malan dizia ser de dois anos. Quando, passado o ano, um aumentou sua previsão para dois anos, o outro levou a sua para três ou quatro. Durou oito e só deixou o país, segundo o diagnóstico do atual presidente, em "situação gravíssima". Durou e não acabou: continua sendo a "política adequada".


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