São Paulo, quinta, 19 de fevereiro de 1998

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JANIO DE FREITAS
A linha dos fatos

Por certo há uma linha unindo os fatos, inesgotáveis em número e variedade, que à primeira vista parecem apenas escorregões ocasionais da normalidade. Vamos a alguns, só dos últimos dias.
O Ministério da Saúde distribui centenas de milhares de camisinhas, mas a ação é muito mais carnavalesca do que a iniciativa governamental: nos envelopes para distribuição aos foliões descobre-se que há, não camisinhas, mas um pedaço de papelão. Não se sabe o custo de tal ação sanitária, sabe-se apenas quem faz o papelão.
O Ministério da Educação compra equipamentos para informatizar as escolas pelo país afora, em um projeto que tem o custo de R$ 480 milhões. E vem o repórter Mario Cesar Carvalho mostrar-nos, na reportagem exemplar sobre a tragédia do ensino no Brasil, que o "MEC informatiza 6.000 escolas, mas não sabe para quê". É um programa "sem objetivo definido", como reconhece o próprio MEC. Mas a publicidade governamental que se vale dele é bem identificada, embora não no custo.
O ministro desinformático daqueles computadores, Paulo Renato Souza, lança o MEC em mais uma agressão ao português com outro programa brilhante: "Toda criança na escola". Mas só lança as crianças nas matrículas e não na escola.
Obedientes à ordem de matricular mesmo sem vaga nas salas de aula, por toda parte há escolas sem saber como e onde dar sentido às matrículas, que em muitas chegam às centenas de excedentes.
O programa tem só a finalidade farsante de mencionar "um índice de matrículas já em 91% e caminhando para nossa meta de 95%, que é o índice dos Estados Unidos", diz o mesmo Paulo Renato, fazendo confundir matrícula com frequência às aulas. Sem malandragens, Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas, apresenta um levantamento que vale como resposta à mentirada oficial: no fim do ano, o número de crianças fora da escola será o dobro do atual, ou seja, 6 milhões e picos. Mas o número de matrículas do ano será recordista.
Ao transformar a mensagem anual ao Congresso em uma vasta autolouvação, o presidente da República realça o êxito do seu governo na evolução do ensino fundamental. Para os atentos, está fazendo contrapropaganda do candidato Fernando Henrique e promovendo dois adversários. É só ver o gráfico proporcionado pelos números do próprio MEC, para constatar que o êxito é inverdadeiro: os governos Sarney e Itamar conseguiram resultados muito melhores que o governo Fernando Henrique. Mas não fizeram a publicidade que estamos forçados a ouvir, ver e pagar.
E chega de casos, que o espaço perde de longe para a produção governamental. Unida, de ponta a ponta, pelo mesmo caráter de farsa.



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