São Paulo, domingo, 19 de março de 2006

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JANIO DE FREITAS

A caverna de Brasília

A excitação oposicionista misturou os dois aspectos do novo escândalo, mas o conveniente, para a compreensão, é considerá-los em separado. De uma parte, a permanência ou a demissão de Antonio Palocci na Fazenda; de outra, suas atividades como integrante do grupo chamado "república de Ribeirão Preto" e as atividades, ainda desconhecidas, que levaram esse grupo de dinheiro fácil a precisar de uma mansão em Brasília.
A não ser em nome da moralidade administrativa, que hoje em dia não tem cotação alta, a permanência de Palocci não fará diferença mesmo que em seu comprometimento se constatem fatos ainda mais graves que os já divulgados. A índole do governo está bem conhecida. E, quanto à política econômica, a ausência de Palocci não levaria a alteração alguma.
Além disso, é ilusório imaginar que Lula possa decidir, na área econômica, por permanências e substituições como pode fazer nos demais setores do governo. Antes da posse houve acordos, inclusive externos, que condicionaram a política econômica e seus executores. Os juros estão aí, ou lá no alto, e ninguém suporia que Lula não reflita uma contrariedade real quando se permite criticá-los. Defende-os, com mais freqüência, para não se expor no papel de fantoche.
Mas é evidente que Henrique Meirelles, depois dos altos gastos para obter sem campanha o seu primeiro mandato de deputado do PSDB, só renunciou (antes mesmo de empossado na Câmara) sob garantia muito firme de que seria intocável no Banco Central. Meirelles e o BC não seriam os únicos exemplos dos compromissos intransponíveis de Lula e seu governo.
A importância da permanência ou saída de Palocci pode estar nos privilégios que hoje tem e, caído do governo, não receberia (o depoimento do caseiro Francinildo Costa não foi transmitido pelas emissoras de TV, exceto a do Senado e, assim mesmo, em parte). Mas os indícios do seu comprometimento com o grupo de negócios misteriosos nem precisavam dos depoimentos do caseiro e do motorista com a citação de reuniões, festas e dinheiro na mansão, que sugere alguma coisa relacionada ao nome Ali Babá. As inverdades de Palocci desmontadas pela CPI e por repórteres, a respeito de sua continuada conexão com o grupo, estão acima da guerra de afirmações e negações.
À parte permanência ou saída, o revelante é identificar a que negócios se dedicam os integrantes desse grupo que trocam milhares de telefonemas com o gabinete do ministro da Fazenda. É descobrir que utilidade poderiam ter tantos telefonemas para os negócios do grupo. Perguntas não faltam. Nem a evidência de que suas respostas contêm graves conseqüências, ou Lula não teria agitado os guarda-costas verbais do PT para silenciar a CPI.
Quem se lembra da "república de Alagoas" -em cuja desmontagem teve audácias excelentes o hoje guarda-costas Aloizio Mercadante- sabe o que pode encobrir-se na denominação "república de Ribeirão Preto".


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