São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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Candidatos ao mesmo discurso

Propostas semelhantes confundem até mesmo os integrantes das campanhas dos presidenciáveis

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Isso parece o "Show do Milhão. Vou chutar." Assim reagiu o líder do PT na Câmara, João Paulo Cunha, ao tentar identificar, em uma lista de frases dos presidenciáveis, quais eram de Luiz Inácio Lula da Silva.
A aflição do petista ilustra a dificuldade que integrantes das campanhas e o próprio eleitor têm em associar uma proposta a um candidato à Presidência.
Isso porque, programas de governo e conteúdos à parte, nas aparições públicas os quatro pré-candidatos à Presidência têm propagado as mesmas idéias sobre temas variados como segurança, taxa de juros e crescimento.
Antes mesmo do início oficial da campanha, o "blablablá" de Anthony Garotinho (PSB), Ciro Gomes (PPS), José Serra (PSDB) e Lula, com o apoio do marketing, tem a mesma maquiagem e busca o mesmo efeito no eleitor. A impressão que se tem é que não há candidatos com divergências ideológicas: todos estão em algum ponto entre o centro e a esquerda.
A Folha separou frases dos quatro líderes nas pesquisas de intenção de voto sobre os dez temas mais abordados por eles em discursos, entrevistas e sites oficiais. Sem identificar o autor, submeteu-as a nomes de destaque dos partidos envolvidos na disputa e pediu que fossem indicadas as frases de seu pré-candidato.
O discurso padronizado dos presidenciáveis confundiu a maioria dos correligionários. A média de acertos foi de quatro pontos.
O deputado federal João Herrmann (PPS-SP), um dos coordenadores da campanha de Ciro, foi um dos que mais erraram (acertou três das dez questões). No início da entrevista, disse em tom de brincadeira que, caso errasse muito, poderiam tirá-lo da campanha. Ele creditou a Ciro cinco das dez frases de Garotinho.
"Sabe por que tanto Garotinho? Porque estou tentando trazê-lo para a campanha", brincou Herrmann, numa alusão à hipótese do pré-candidato do PSB desistir da corrida e aliar-se a Ciro.
Se depender do coordenador de sua campanha, Garotinho está bem na disputa. Márcio França, prefeito licenciado de São Vicente (SP), teve o melhor placar: identificou nove das dez frases do pré-candidato.
"Ufa, pelo menos não foi do Serra", disse quando relacionou a Lula uma frase de Garotinho.
Muitos dos critérios utilizados pelos entrevistados se repetiram. "As do Garotinho são mais alegres, meio genéricas", disse o entusiasta da candidatura Serra no PMDB, Geddel Vieira Lima, cujo raciocínio foi repetido pelo vice-líder do governo no Senado, Romero Jucá (PSDB): "O que for mais populista e genérico, por exemplo, é do Garotinho". O critério não deu muito certo: Geddel acertou quatro, e Jucá, cinco.
"Tudo que soou embolado, erudito, pensei que fosse do Ciro", concluiu Geddel, apoiado pelo presidente de seu partido, Michel Temer. "Serra e Ciro têm declarações mais conceituais."
Houve quem desistisse de completar o questionário ao perceber que errava muito. ""Vou parar por aqui porque senão o [ministro da Fazenda Pedro] Malan vai dizer que não tenho afinidades eletivas com o meu candidato", disse Tito Ryff, assessor econômico de Garotinho.
Para especialistas ouvidos pela Folha, a razão dos discursos parecidos está na busca pelo eleitor do centro, que ainda não definiu a sua preferência. Segundo o Datafolha, 46% das pessoas afirmaram na resposta espontânea que ainda não sabem em quem votar.
"O meio é onde está o eleitor que não tem opiniões firmes", disse Orjan Olsen, ex-diretor do Ibope e doutor em comunicação social. "O marketing quer maximizar o voto. Tende, portanto, a homogeneizar o discurso."
Em 1994 e 1998, o candidato oficial elegeu-se com base no Plano Real e no discurso da estabilidade. Em 2002, a pauta passou a ser e crescimento e a consequente melhora dos indicadores sociais.
Para o ex-ministro do Planejamento e deputado Delfim Netto (PPB-SP), os pré-candidatos têm medo de perder o eleitor do centro. "As proposições são genéricas. Não dizem como fazer, por exemplo, a reforma tributária."
Todo político diz que é o seu pré-candidato que está sendo "clonado" pelos demais. "É dele a terceira? Então por que não fez isso quando estava no governo?", contestou Alexandre Cardoso, da equipe da campanha de Garotinho, referindo-se a Serra.
Cardoso criticou o "pseudo discurso de esquerda" de Serra, mas se complicou ao atribuir ao tucano uma frase de Garotinho.
""Nesses assuntos, todo mundo segue um pouco o governo", discorda o secretário-geral do PSDB, Márcio Fortes, que acertou mais as frases de Ciro (cinco) do que as de Serra (três).


Colaboraram a Sucursal de Brasília e a Reportagem Local

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