São Paulo, domingo, 19 de maio de 2002

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CONVERSA INDISCRETA

Microfones haviam captado anteontem crítica aos EUA

Conversa com Fox não teve "nada de mais", afirma FHC

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MADRI

O presidente Fernando Henrique Cardoso acha que não disse "nada de mais", na conversa de anteontem com seu colega mexicano Vicente Fox, captada por indiscretos microfones de televisão, na qual lamenta a insensibilidade norte-americana para a necessidade de ajudar os países pobres da América Latina.
Tanto achou "normal" o comentário que repetiu ontem a sua essência, dessa vez sabendo perfeitamente que a conversa estava sendo gravada, em improvisada entrevista coletiva à porta da Universidade de Salamanca, após receber o título de "doutor honoris causa".
"Nossos comentários foram no sentido de que, quando a Comunidade Européia foi formada, os países mais ricos ajudaram os mais pobres", relembrou o presidente, para em seguida engatar com uma microaula de história.
"No fim da guerra (a 2ª Guerra Mundial, entre 1939/45), Roosevelt e Churchill tinham muito claro o sentimento de criar um novo mundo, um mundo de liberdade, democracia e de bem-estar social", disse. É alusão a Franklin Delano Roosevelt e a Winston Churchill, os estadistas que comandavam respectivamente EUA e Reino Unido à época.
Fechou o raciocínio assim: "A integração nossa (da América Latina) agora precisaria também de um impulso, para uma sociedade mais igualitária".
De fato, a conversa FHC-Fox da véspera era uma expressão de inveja pelo "brutal" progresso da Espanha, a partir da ajuda "forte" da Comunidade Européia, sempre conforme as observações do presidente brasileiro.
E a conversa terminara com a constatação compartilhada de que os EUA, o único país que poderia repetir agora o esquema na América Latina, não têm "concepção" para tanto.
É possível que a conversa enveredasse por inconfidências mais complicadas diplomaticamente, se Ana Tavares, a sempre vigilante assessora de imprensa do presidente, não tivesse desconfiado de que os microfones poderiam estar registrando a conversa.
Ana pigarreou forte, FHC notou algo e foi se afastando mais dos microfones, que captavam cenas da cúpula entre União Européia/ América Latina e Caribe, ontem encerrada.
Na entrevista de ontem, FHC cobrou dos países ricos "gestos concretos de ajuda", citando até o fato de o Brasil, "que não é dos mais ricos", ter cancelado dívidas de países centro-americanos e africanos, porque não podem pagá-las.
Mas emendou: "A melhor ajuda para nós é comércio livre, é acesso a mercados, é transferência de tecnologia, é formação nossa mesmo de conhecimento. Isso é o que precisamos".
O presidente retomou nesse ponto uma constante de suas falas mais recentes, a crítica, velada ou aberta, aos Estados Unidos.
Primeiro, lembrou que, na universidade que acabara de lhe conceder o título de "doutor", 40% dos 2.000 doutorandos são latino-americanos. "A Europa se dispõe a apoiar e, quanto mais apoio houver nessa matéria, melhor. Acho que os EUA podem ter um papel muito importante na questão do conhecimento na América em geral", comparou.

Argentina
Mas, ao falar de Argentina, FHC acabou fazendo uma crítica indireta à Europa, que, na véspera, pela voz do primeiro-ministro espanhol, José María Aznar, havia dito de público ao presidente Eduardo Duhalde que seu único caminho é fechar "rapidamente" um acordo com o FMI.
"A Argentina precisa reorganziar seu sistema, inclusive financeiro, porque, no mundo moderno, não existe produção sem finanças", começou FHC, para logo emendar: "Isso não quer dizer que a gente deve dar um receituário à Argentina. Os argentinos sabem melhor que nós o caminho".
Em vez de receitas e sermões, o presidente cobrou "apoio mais efetivo" e disse esperar que, na próxima reunião entre a União Européia e o Mercosul, em julho, "a Argentina já tenha sinais mais concretos de apoio do FMI e dos países em geral, assim como espero que até lá a Argentina tenha dado os passos necessários também internamente".
FHC viajou à tarde, diretamente de Salamanca para Roma, onde participa hoje da cerimônia de canonização de Madre Paulina, a primeira santa brasileira.



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