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São Paulo, terça-feira, 19 de agosto de 2003

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JANIO DE FREITAS

Em má hora

É uma notícia apenas relativa: Luiz Inácio Lula da Silva, segundo o próprio, está mudando de opinião sobre os transgênicos. A primeira parte da frase, referente à mudança de opinião, não é notícia: por definição, só há notícia se há algo novo. A segunda, sim, implica a novidade de que a soja geneticamente modificada pela empresa americana Monsanto, proibida em grande parte da Europa e ainda no Brasil, afinal vislumbra o fim de sua longa batalha -política, comercial, judicial e sobretudo financeira- para dominar o gigantesco plantio brasileiro.
O presidente ligou a mudança de opinião à influência de informes científicos. Fez bem em prestar tal esclarecimento, porque se sabe que o lobby da Monsanto é muito poderoso, tem conquistas importantes por aí afora, e o governo dos Estados Unidos deseja muito que o Brasil engula, nos vários sentidos da palavra, a soja da Monsanto.
Mas, se o esclarecimento presidencial foi útil, ao menos para as pessoas que não crêem no jogo das questões internacionais, a hora da menção à influência de notícias científicas foi muito infeliz. Por coincidência, na ocasião mesma em que se toma conhecimento da mudança presidencial de opinião, cientistas do governo do Canadá revelam a descoberta de que o herbicida com glifosato estimula a profusão de um fungo cujas toxinas matam seres humanos e animais, além do potencial de arrasar plantações.
Pois bem, a soja transgênica é um vegetal modificado pela Monsanto para suportar, o que não acontece com a soja original, as quantidades necessárias ao herbicida Roundup, fabricado pela mesma Monsanto, para ser eficaz contra ervas invasoras.
O governo Lula veio para mudar. Mas, na falta das esperadas mudanças, muda de opinião. E, apesar de fazê-lo sempre na mesma direção, não seria mau que o presidente ouvisse outros cientistas, além dos que são pró-soja transgênica, antes de mandar ao Congresso o projeto que a Presidência prepara sobre biossegurança. A fórmula adotada em princípio, no projeto, para não ser contra a soja da Monsanto nem ficar desabridamente a favor, é criar percursos burocráticos mais longos para a autorização dos plantios. Trata-se, porém, de saúde e de vida dos consumidores, e isso exige definições claras e firmes, sem tergiversações.
Do ponto de vista que predomina no governo -o do economicismo acima das contingências existenciais- a liberação da soja transgênica será como um presente aos agricultores dos Estados Unidos, reconhecidos pelo governo Lula como beneficiários de subsídios e outros favorecimentos que prejudicam a produção agrícola e as exportações brasileiras. Mesmo com o protecionismo, as exportações da soja transgênica americana são dificultadas pela preferência européia por soja normal, caso da brasileira, ainda que com preço maior.
Certos transgênicos já se mostraram inofensivos e úteis, mas a soja resistente ao Roundup ainda é, no mínimo, uma incerteza inquietante.


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