São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

Historietas piauienses

JARBAS PASSARINHO

No dia 1º de abril de 1964, o governador Petrônio Portella, recebia no Palácio de Karnak um emissário do governador de Pernambuco, Miguel Arraes, concitando-o a apoiar o presidente João Goulart, que "estaria resistindo vitoriosamente a uma rebelião golpista de militares ligados ao governador Carlos Lacerda". As comunicações, à época, eram precaríssimas. À noite de 31 de março, o que se conseguira ouvir em Teresina -e com dificuldade- fora a Rádio Nacional, repetindo constantemente a notícia de que os golpistas estavam sendo presos.
Embora eleito pela UDN, Petrônio Portella recebera do presidente João Goulart atenção especial, traduzida em ajuda vultosa para a realização da modernização do Estado, sem exigir-lhe nenhum compromisso político, o que fazia do governador oposicionista um devedor de gratidão. Sem novas notícias a respeito, pois nenhum meio de comunicação funcionava, Petrônio sentiu-se na obrigação de retribuir o gesto de João Goulart. Improvisou cerimônia pública e assumiu o compromisso de colocar o Piauí ao lado da legalidade. Jornal de sua orientação publicou-lhe o discurso, no dia seguinte, 2 de abril. Arraes já fora preso e destituído. Jango, de breve estada em Porto Alegre, rumara para o Uruguai. Petrônio fora traído pela falta de informação. E isso declarou aos novos donos do pode.
Líder de Geisel, em 1974, ligado a Golbery, enfrentou o MDB que crescera nas eleições, fazendo 16 senadores nas 22 vagas disputadas. Um deles era Paulo Brossard, com fama de ardoroso tribuno, que acabara de fazer longa verrina contra o governo. Petrônio sentiu-se no dever de retrucar imediatamente. Na tribuna, referindo-se ao discurso de Paulo Brossard, tentou o suspense: "Esse discurso é um déjà vu, é uma cópia". E atacou: "É um plágio". O senador gaúcho, sentindo-se ofendido, rebateu em alta voz e sem pedir aparte: "Esse discurso é meu, ampliado de anterior meu na Câmara dos Deputados. Pode ser repetição, mas eu posso me repetir, enquanto Vossa Excelência não pode repetir o discurso que fez no dia 1º de abril de 1964, atacando a revolução que agora defende e de que é líder. Nisso reside a nossa diferença".
O presidente do Senado acionou a campainha advertindo o senador Brossard de que era proibido apartear sem autorização do orador, mas o efeito já fora devastador...


JARBAS PASSARINHO, 82, ex-governador do Pará (1964 a 1966), ex-ministro do Trabalho no governo de Costa e Silva e da Justiça no governo de Fernando Collor, escreve aos sábados nesta seção


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