São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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Cidades vivem de dinheiro da Previdência

DA REPORTAGEM LOCAL

Em Ribeira do Amparo, cidade baiana de 13 mil habitantes, há um aposentado para cada seis habitantes. Os mais de 2.000 aposentados rurais e os 700 empregados da prefeitura geram quase toda a renda do município.
Uma vez por mês, 12 idosos lotam a sede do sindicato dos trabalhadores rurais da cidade. Dali, um carro do sindicato os leva para uma viagem de 30 quilômetros até o posto da Previdência, onde recebem um benefício que raramente ultrapassa os R$ 200.
Na feira semanal da cidade vizinha, as vendas só são boas nos dias de pagamento da Previdência. "Hoje não vendi nada. Aqui só os velhos compram, e o banco só paga na semana que vem. Aí é dia de festa", diz Judite Matilde da Cruz, 55, vendedora de feijão.
"Só vendi R$ 3. Dinheiro agora só daqui a sete dias", diz Josefa Maria de Jesus, 86, contando com grãos de arroz que guarda no bolso quantos dias faltam para receber a aposentadoria.
As aposentadorias rurais garantem a subsistência de famílias inteiras. É assim na casa de Bernardo Ferreira Neto, 72, que caminha quase 10 quilômetros para ir ao banco e sacar R$ 200. Um dia depois, faz a mesma caminhada, mas para receber o benefício da mulher, também aposentada.
Com os R$ 400 mensais, a família comprou em prestações uma televisão, que fica em cima do único móvel da casa. Fora a TV, nenhum outro utensílio doméstico. Mas Bernardo diz ter se arrependido. O dinheiro, cerca de R$ 30 reais mensais, faz falta. No final do mês, falta dinheiro para comer. Da TV ele aproveita pouco. Não gosta, não assiste e preferiria que os três filhos e oito netos também não gastassem tempo diante da TV: "Faz doer a cabeça".
Maria Eunice da Cruz da Silva, 38, vende bananas na feira. Diz ganhar R$ 150 por mês, bastante para educar quatro filhos. "Comida não falta. Temos um pedaço de terra. Comprei uma TV, para os filhos estudarem melhor, verem o jornal", explica. A situação já foi melhor para Silva. A mãe, que morreu há três meses, recebia R$ 200 da Previdência. Dobrava a renda da família. "Agora o banco diz que não se pode mais ter o dinheiro. Paciência."
Com exceção dos funcionários da prefeitura, a maioria das famílias depende da renda da agricultura feita à base de enxada e das aposentadorias dos idosos. A situação é parecida em mais da metade das cidades do país. Em 3.479 cidades, a soma dos benefícios é maior do que o Fundo de Participação dos Municípios, verba repassada pelo governo federal.
"Várias pesquisas mostram que há uma série de melhorias associadas aos benefícios da Previdência. Melhora a escolaridade das crianças, os cuidados de higiene e, como consequência, diminuem os problemas com saúde e a mortalidade infantil", diz Guilherme Delgado, pesquisador do Ipea.


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