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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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RITMO LENTO

14 ministérios usaram menos da metade do dinheiro liberado após ajuste

Arrocho e gestão do governo mantêm projetos paralisados

MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Investimentos em prevenção e controle da hanseníase e de doenças crônico-denegerativas, projetos de despoluição de bacias hidrográficas, universalização dos serviços de telecomunicação, erradicação da febre aftosa e a transposição do rio São Francisco. Esses programas do governo têm algo em comum: estão todos na estaca zero a menos de três meses do fim do primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ritmo lento do governo e a paralisia nos casos acima são resultado do inédito arrocho fiscal promovido pelo governo Lula. Mas ele não é o único culpado. Há também problemas de gestão na máquina pública, que não consegue, em diversos setores, gastar o dinheiro disponível.
Para atingir a economia equivalente a 4,25% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano para o pagamento de juros da dívida pública, o governo federal determinou no início do ano um bloqueio de recursos do Orçamento de R$ 13,7 bilhões, provocando falta de verbas em órgãos como a Polícia Federal e o Ministério das Relações Exteriores.
Mas, além do bloqueio, pesquisa feita pela Folha no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais) mostra que nem sequer houve promessa de gasto, "empenho" no jargão do Orçamento, em projetos cuja importância está estampada no nome. É o caso da transposição do rio São Francisco, considerada prioridade do governo Lula. A obra pretende acabar com o problema da seca no semi-árido nordestino, mas ainda não recebeu um centavo.
Levantamento feito pelo Ministério do Planejamento e disponível no endereço eletrônico www.planejamento.gov.br também indica que o governo Lula não vem gastando o que tem em caixa. Nada menos do que 14 ministérios não usaram nem a metade do dinheiro liberado depois dos sucessivos decretos de bloqueio de gastos editados pelo presidente Lula.
Os piores desempenhos aparecem em três pastas criadas por Lula e comandadas pelo PT: Secretaria Especial de Agricultura e Pesca, Ministério de Segurança Alimentar e Combate à Fome e Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Nessa ordem.
A secretaria de José Fritsch (Pesca) alega que a estrutura só ficou pronta no segundo semestre. A assessoria do ministro José Graziano (Combate à Fome) contesta a interpretação de ritmo lento, insiste em que a meta de chegar a mil municípios já foi atingida e afirma que, até dezembro, todo o dinheiro será gasto. A secretaria comandada por Emília Fernandes ainda não tirou do papel o programa de combate à violência contra a mulher.
Os ministérios do Desenvolvimento Agrário, dos Transportes e da Justiça gastaram menos de 40% do dinheiro liberado, embora seus titulares reclamem frequentemente da falta de verbas.
No caso do Ministério dos Transportes, o motivo teria sido uma conta de R$ 350 milhões pendente do governo anterior e só quitada no segundo semestre. O atraso teria azedado o relacionamento com empreiteiros. Só no final do ano, as obras de manutenção e recuperação das rodovias federais, por exemplo, estariam ganhando ritmo adequado.
O governo não dispunha, anteontem, da soma de quanto gastou no pagamento de contas pendentes deixadas por Fernando Henrique Cardoso. Esses gastos não aparecem como investimento feito por Lula, embora consumam parte do dinheiro da arrecadação de tributos.
Até 3 de outubro, data da pesquisa no Siafi, o governo federal havia investido R$ 803,4 milhões, menos de 20% do que o ajuste fiscal liberou para o conjunto da Esplanada. O dinheiro representa pouco mais de 6% do que a lei orçamentária havia autorizado antes dos cortes. O último deles foi anunciado em setembro. O principal, em fevereiro.
Relatório feito pela Consultoria de Orçamentos e Fiscalização Financeira da Câmara, baseado em informações dos ministérios, pôs a culpa do ritmo lento do governo no que chamou de "a face perversa do contingenciamento".
O Ministério do Meio Ambiente alegou que o corte de gastos atrapalharia projetos bancados em parte por empréstimos externos. O Ministério das Relações Exteriores informou que a atividade de embaixadas no exterior ficaria prejudicada, e o país poderia até perder o direito a voto em organismos internacionais.
O contingenciamento de gastos também seria responsável pelo atraso na construção do submarino Tikuna e da corveta Barroso, segundo o Ministério da Defesa. Os comandantes militares foram os que mais se queixaram da falta de dinheiro. Ameaçam até a reduzir o número de recrutas que serão incorporados ao serviço militar no próximo ano.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário atribuiu ao arrocho a falta de investimentos em infra-estrutura dos assentamentos e capacitação de técnicos que assistem aos assentados.


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