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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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DIPLOMACIA INADIMPLENTE

Membros do Itamaraty que servem na Europa estão sem receber auxílio-moradia há 5 meses

Diplomatas vivem de empréstimos do BB

MARIA LUIZA ABBOTT
DE LONDRES

Há cinco meses sem receber o auxílio-moradia, os diplomatas brasileiros nas principais capitais européias estão vivendo na penúria. Em cidades mais caras, como Londres e Paris, o aluguel chega a representar até 70% do salário, e muitos estão sobrevivendo a custa de empréstimos no Banco do Brasil, pois contavam com o benefício para conseguir equilibrar o orçamento doméstico.
No entanto as despesas estão se acumulando e muitos estão tendo dificuldades em fazer o pagamento, inclusive do empréstimo. Em Paris, um diplomata brasileiro já perdeu o cartão de crédito e o talão de cheques por causa dos atrasos, e está sendo obrigado a sacar todo o salário e a pagar as contas em dinheiro.
Não é a primeira vez que a contenção de gastos públicos provoca um aperto geral nas representações brasileiras no exterior, especialmente porque os gastos são em dólar e os limites do orçamento são em reais, sofrendo com qualquer desvalorização da moeda brasileira.
O atraso no pagamento de salários e do auxílio-moradia não é incomum, e aconteceu em governos anteriores, como os dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Fernando Collor.
Desta vez, as representações brasileiras chegaram a atrasar em um mês o pagamento de salários dos funcionários locais contratados, que estavam ameaçando paralisação.
A divulgação da notícia no Brasil levou à liberação dos recursos no dia seguinte, 10 de outubro, e a situação se normalizou.

Proibições
Mas em algumas embaixadas ainda estão proibidas as horas extras para funcionários para conter gastos. Em Roma, por exemplo, os motoristas estão cumprindo exclusivamente o horário normal, sem exceções nem mesmo para buscar autoridades no aeroporto. As viagens a serviço dos diplomatas na Europa estão sendo feitas sem adiantamento de despesas e, com a contenção de gastos, o reembolso está atrasado. Os juros no cartão de crédito estão sendo pagos pelos diplomatas.
O salário de um ministro conselheiro de uma embaixada, o posto imediatamente abaixo de embaixador, em Paris, Roma, Londres, Lisboa e Madri está em US$ 11 mil, o que parece muito para quem gasta em reais, mas não permite luxos quando os gastos são em libras ou euros. Obrigados a representar o país em ocasiões oficiais, diplomatas não recebem verbas de representação, mas é parte da função que eles e seus cônjuges se vistam bem e recebam em casa.

Filhos
Segundo um diplomata que serve em uma capital européia, um casal com dois filhos precisa morar em um apartamento de três quartos, pois é obrigado a convidar pessoas a sua casa. O aluguel custa 4.300, que chegam a US$ 5.500, incluindo luz e telefone.
A esses gastos soma-se a prestação do carro que os diplomatas têm que comprar em cada posto, pois não é permitido levar o automóvel quando são transferidos, e o seguro, alto, porque eles não têm residência permanente. No total, só essas despesas chegam a outros US$ 2.000, e quase 70% do salário já foram gastos. Por isso, o auxílio-moradia -que paga uma parte do aluguel e varia de acordo com o custo de vida em cada cidade- é essencial no orçamento de um diplomata.
Já um segundo secretário ganha US$ 6.000, mas, como as responsabilidades do cargo são menores e a representação também, os custos de aluguel representam a metade do salário em uma cidade como Roma, Madri e Paris.
Mas, segundo um diplomata que serve na zona do euro, já está difícil pagar a conta de telefone ou a escola das crianças. Como mora em uma cidade onde não se fala inglês ou francês, os filhos têm que estudar na escola americana ou na francesa, que são pagas.
De outra maneira, como vão conseguir estudar se forem transferidos para Tóquio?, indaga um diplomata, observando que, em países como o Japão, as únicas escolas estrangeiras são em francês ou inglês.

Euro forte
A legislação proíbe que os cônjuges dos diplomatas trabalhem, e a família toda vive de um salário quando está no exterior. Outra dificuldade para os que trabalham na zona do euro é a valorização da moeda em relação ao dólar, como são pagos os diplomatas no exterior. Há dois anos e meio, 1 valia US$ 0,80. Hoje, vale US$ 1,20.
O embaixador do Brasil no Reino Unido, José Maurício Bustani, reconhece que a falta de recursos é um problema sério. "Enfrentamos uma situação financeira extremamente difícil no Itamaraty, algo que já ocorreu diversas vezes no passado. Mas estou tranquilo, porque sei do empenho total do ministro Celso Amorim em resolver a questão o mais rapidamente possível junto às autoridades competentes", disse Bustani.
A folha de pagamentos da embaixada brasileira em Londres tem 14 diplomatas, oito oficiais de chancelaria e dois assistentes de chancelaria, além de 40 funcionários locais, incluindo os funcionários da residência oficial. Na de Paris, são 85 funcionários, incluindo os contratados locais.


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