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São Paulo, domingo, 19 de outubro de 2003

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CIDADÃ REVISTA

Parágrafo suprimido relacionava-se às reuniões do Congresso; dois novos casos de artigos sem aprovação são descobertos

Texto aprovado não entrou na Constituição

RANIER BRAGON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Depois da revelação de que artigos da Constituição de 1988 não foram votados em nenhum dos dois turnos previstos, novo levantamento da Folha traz à tona dois artigos que não passaram, em parte, pelo crivo do voto e mostra que houve o oposto: um parágrafo que, apesar de ter sido aprovado nos dois turnos, não entrou no texto promulgado -foi suprimido entre a votação e a publicação.
O parágrafo aprovado era para constar do artigo 57, que trata das reuniões do Congresso. Ele previa que o regimento da Câmara e do Senado regularia o funcionamento das duas Casas nos 60 dias anteriores às eleições.
A Comissão de Redação do Congresso Constituinte, incumbida apenas de corrigir e aprimorar a redação das propostas aprovadas nos dois turnos, foi a responsável pela supressão, assim como por alterações e inclusões não decididas no plenário.
"Senhor presidente, como é que poderemos suprimir um parágrafo que foi aprovado em dois turnos de votação", disse o então constituinte e futuro presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, na reunião da comissão que decidiu pela retirada do parágrafo -ocorrida no dia 14 de setembro de 1988, 21 dias antes da promulgação da Carta.
"Não se preocupem, porque a Câmara dos Deputados toda estará de acordo e o Senado também", respondeu o presidente da constituinte, Ulysses Guimarães (1916-1992). O temor dos membros da comissão era o de que o parágrafo inviabilizasse a regulamentação futura, pelos regimentos, do chamado recesso branco, que normalmente ocorre no Congresso antes das eleições.
Isso porque existia no texto a expressão "eleições gerais", o que poderia gerar a interpretação de que só caberia manifestação do regimento em eleições gerais, e não em isoladas, como a de prefeitos ou presidente, por exemplo.
"O Senado não [está de acordo]. O Senado quer trabalhar", respondeu FHC a Ulysses.
O parágrafo aprovado e que não entrou na Carta é o seguinte: "O regimento disporá sobre o funcionamento do Congresso nos 60 dias anteriores às eleições gerais". Ele era o 3º do artigo 57.

Discussão
A discussão sobre o assunto foi levantada pelo constituinte Ricardo Fiuza, que queria, na verdade, substituir a expressão "eleições gerais" por "eleições parlamentares". Hoje, o recesso branco é previsto no regimento do Senado, que diz que a Casa funcionará, nos 60 dias anteriores às eleições, de "acordo com o disposto do Regimento Comum".
No Regimento Comum, as sessões só são convocadas quando há matéria a ser votada. No Regimento da Câmara, não há menção ao recesso branco, apesar de ele ser usado na prática.
Além do artigo aprovado e não incluído, o novo levantamento da Folha -realizado em documentos oficiais da Câmara- mostra que pelo menos oito artigos entraram na Carta sem terem sido votados nos dois turnos devidos.
No primeiro levantamento, publicado no dia 9 deste mês, houve a constatação de cinco artigos sem votação, além de pelo menos outros 20 que só foram aprovados em um turno.
A revisão da história constituinte surgiu a partir de declarações feitas pelo hoje ministro do Supremo Tribunal Federal Nelson Jobim, então constituinte pelo PMDB, ao jornal "O Globo".

Revelação
Jobim revelou a não-votação de um artigo -a inclusão da expressão "independentes e harmônicos entre si" no artigo 2º, que trata dos Poderes da União- e a existência de outro, sigiloso.
O ex-deputado Jarbas Passarinho revelou depois a existência de outro caso, que foi a explicitação da garantia de direitos como 13º e férias aos militares -artigo 42.
Os dois novos casos detectados pela Folha são relativos aos artigos 4º e 55. No 4º, estendeu-se a toda a população a gratuidade relativa aos "atos necessários ao exercício da cidadania", como a emissão de título de eleitor. O texto aprovado previa isso só para os "reconhecidamente pobres".
No artigo 55, deu-se uma sobrevida a parlamentares ameaçados de perder o mandato em decorrência de condenação criminal. Trocaram a expressão "sentença definitiva irrecorrível" por "transitada em julgado" como uma das condições para a perda. Sentença irrecorrível pode ainda não ter transitado em julgado.
"É melhor. Dá mais 15 dias", disse, na reunião, o deputado Michel Temer, hoje presidente nacional do PMDB.
Os outros quatro artigos detectados pelo primeiro levantamento da Folha são o que inclui a idade mínima de 21 anos para ser juiz de paz (artigo 14), o que aumenta de 33 para 42 o número mínimo de vereadores nas cidades com mais de 5 milhões de habitantes (artigo 29), o que inclui as medidas provisórias como parte do processo de legislar (artigo 59) e o que manteve a competência dos tribunais estaduais (artigo 70 das Disposições Transitórias).


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