São Paulo, sábado, 19 de novembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ ESTATAIS

BMG, credor do PT, lucrou R$ 209 mi com a estatal; comissão vê possível "valerioduto"

CPI suspeita de operação entre banco mineiro e CEF

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O BMG, banco credor de supostos empréstimos de R$ 29,2 milhões para o caixa dois do PT, teria lucrado R$ 209,8 milhões -seis vezes mais- em um conjunto de seis operações realizadas com a Caixa Econômica Federal de venda de carteiras de empréstimos feitos a aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Entre dezembro de 2004 e setembro deste ano, o BMG recebeu da Caixa R$ 1,094 bilhão pelas seis operações. Os aposentados e pensionistas deviam ao BMG, nessas carteiras de empréstimos, R$ 935,2 milhões. A diferença, de R$ 158,8 milhões, foi paga ao BMG como remuneração por captação de clientes. Além disso, o banco teria recebido mais R$ 51 milhões em decorrência do cálculo do saldo devedor das carteiras.
Documentos com detalhes das operações foram requisitados ao banco estatal pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR) e analisados por uma equipe de técnicos do Senado. A conclusão a que chegaram é que se trata de uma das prováveis fontes de dinheiro do caixa dois do PT operado pelo publicitário mineiro Marcos Valério de Souza.
"Temos razões de sobra para supor que essas operações tenham sido instrumento para calçar os tais empréstimos, que sempre reputamos fictícios, operações meramente contábeis", afirmou o senador, que ontem mesmo solicitou ao TCU (Tribunal de Contas da União) uma auditoria.
Quando o assunto foi abordado em depoimento do principal executivo do BMG à CPI dos Correios, há dois meses, Ricardo Guimarães atribuiu a venda dos ativos "à necessidade urgente do BMG de adquirir liquidez em virtude do "risco sistêmico" surgido quando da intervenção do Banco Santos". A oferta do BMG à Caixa Econômica Federal foi formalizada 17 dias depois de o Banco Central decretar intervenção no Banco Santos, em novembro de 2004.
"Não é papel da Caixa Econômica Federal socorrer instituições", reagiu Álvaro Dias. O senador acredita que houve gestão temerária na estatal e vai pedir a convocação do presidente da CEF, Jorge Mattoso, à CPI.

Às pressas
A cronologia das negociações entre BMG e Caixa revela um negócio fechado às pressas. Entre a proposta formal do banco mineiro e a resolução do Conselho Diretor da Caixa que autorizou a primeira compra de créditos referentes a empréstimos concedidos a aposentados e pensionistas passaram-se apenas 23 dias.
A autorização é assinada pelo presidente Jorge Mattoso. Na ocasião, o acerto era pagar um ágio ao BMG, supostamente para cobrir custos de captação de clientes, em 12 parcelas.
Mas menos de dois meses depois, em fevereiro deste ano, o próprio Mattoso assinou outra resolução com mais vantagens ao banco mineiro: em vez de parcelado, o ágio é pago à vista.
De acordo com os técnicos do Senado, além do ágio de R$ 158,8 milhões já integralmente pago ao BMG, o banco teria tido lucro extra de R$ 51 milhões pela fórmula usada para calcular o saldo devedor dos contratos.
Na data da primeira autorização assinada por Mattoso, um parecer técnico da Caixa alertava para pontos negativos da operação: "A avaliação dos riscos operacionais da proposta fica prejudicada em virtude da ausência de definição dos fluxos operacional, financeiro e tecnológico da operação".
Outro problema apontado pela área técnica do banco foi a não-transferência dos documentos referentes aos empréstimos para a Caixa, o que prejudica o controle dos contratos.
A cronologia das operações revela mais um detalhe estranho: a venda de parte da carteira de empréstimos é concretizada apenas três meses depois de o BMG ser autorizado por medida provisória a operar o crédito a aposentados e pensionistas do INSS com desconto em folha, em setembro de 2004. A MP já era considerada uma benesse do governo Lula ao BMG, que, ao lado do Banco Rural, teria providenciado R$ 55,2 milhões que alimentaram repasses do PT a políticos aliados, via "valerioduto".
"A documentação revela que a CEF fechou às pressas um negócio de alto risco operacional", afirma nota técnica do gabinete do senador Álvaro Dias.

Lucro transferido
De acordo com a análise dos técnicos, a Caixa não teve propriamente um prejuízo nas operações com o BMG, mas a estatal teria deixado de lucrar R$ 350,1 milhões. O cálculo foi feito com base no lucro que a Caixa teria caso tivesse emprestado diretamente a aposentados e pensionistas pela mesma taxa cobrada pelo BMG (2,8% ao mês), em vez de comprar a carteira do banco mineiro.
"O lucro da Caixa foi de pelo menos a metade do que poderia ter sido. A Caixa deixou de ganhar para que alguém ganhasse", concluiu Álvaro Dias.
Outro detalhe: a Caixa já desembolsou R$ 1,09 bilhão, incluindo o ágio pago ao BMG, mas vai demorar três anos para cobrar os empréstimos dos aposentados e pensionistas. Ou seja, enquanto o BMG já lucrou R$ 209 milhões, a Caixa vai levar até 2008 para lucrar R$ 346 milhões.
De acordo com documentos apresentados por Valério, o BMG aparece ligado ao esquema de caixa dois do PT em 25 de fevereiro de 2003, menos de dois meses depois da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Essa é a data do primeiro empréstimo de R$ 12 milhões à SMPB, uma das agências de Valério, que seria repassado a pessoas indicadas pelo ex-tesoureiro petista Delúbio Soares.
Dos quatro empréstimos concedidos às empresas do publicitário, o primeiro foi o único quitado. O BMG seria credor atualmente de cerca de R$ 50 milhões do esquema do caixa dois do PT. Os empréstimos não foram cobrados até o início das investigações.


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