São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

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CASA SEVERINA

Orçamento de quase R$ 2,5 bilhões atende a mais de 20 mil pessoas e só é inferior aos de três municípios do país

Verbas da Câmara superam as de 8 Estados

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Em uma de suas várias tentativas frustradas de presidir a Câmara, o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) disse o seguinte: "Isso aqui é um mundo maior do que vários Estados".
Severino está certo. Os R$ 2,477 bilhões do orçamento anual da Câmara fazem dessa Casa do Poder Legislativo uma potência financeira maior do que oito Estados brasileiros -essa é uma das razões de ser tão cobiçada.
De acordo com dados do Tesouro Nacional para o ano de 2003 -os únicos disponíveis, mas a relação de comparação continua semelhante até hoje-, os governadores de Acre, Alagoas, Amapá, Piauí, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins administram orçamentos menores do que o de Severino.
Entre os 5.562 municípios do país, só três têm uma verba anual maior que a Câmara dos Deputados: São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. As demais 5.559 cidades têm menos dinheiro para gastar do que o emergente Severino Cavalcanti e os outros 512 deputados federais.
A divisão dos R$ 2,477 bilhões pelos 513 deputados dá R$ 4,82 milhões por congressista na Casa criada para representar os interesses diretos dos eleitores brasileiros. Nenhuma cidade brasileira tem tanto dinheiro por eleitor.
Só para comparação, segundo o Tesouro Nacional, o orçamento de São Paulo em 2003 foi de R$ 11,511 bilhões. À época, o eleitorado da maior cidade brasileira era de cerca de 7,7 milhões de pessoas. Ou seja, dá R$ 1.494,94 por eleitor paulistano por ano.
Mesmo que se inclua na Câmara o número total de assessores, aposentados, pensionistas e ocupantes de cargos de confiança, além dos 513 deputados, chega-se a um total de 20.579 pessoas. A parcela do orçamento anual para cada uma fica ainda em expressivos R$ 120.365,42.
Essas contas são feitas com base no Orçamento proposto e aprovado para 2005. Não estão contabilizados eventuais aumentos de gastos com a elevação de salários prometida por Severino durante sua campanha vitoriosa.
A Câmara é como uma pequena cidade do interior com orçamento de metrópole. Os 513 deputados têm 15.666 funcionários na ativa para atendê-los. Desses, 9.821 estão à disposição nos gabinetes dos congressistas, que podem também nomear outros 2.266 para os chamados CNEs, os "cargos de natureza especial" -pessoas que podem atuar nos Estados e ganham de R$ 1.697,47 a R$ 5.474,10 por mês.
Esses CNEs concentram-se na Mesa Diretora da Câmara e nos gabinetes das lideranças partidárias. Na direção da Casa são 165 CNEs -sendo que Severino terá 21 à sua disposição na presidência. Nos gabinetes dos líderes partidários estão outros 386 CNEs.
Na história recente da Câmara, nunca tantos representantes do chamado baixo clero estiveram tão presentes na Mesa Diretora. Entre os sete titulares, cinco são do Nordeste, um do Centro-Oeste e um do Norte.
Quando se considera os 11 integrantes da Mesa Diretora da Câmara (sete titulares e quatro suplentes), nota-se que três (27,3%) deputados são de Alagoas. Uma desproporção em relação ao que representa a bancada alagoana no total da Casa -só nove (ou 1,75% dos 513 deputados) são eleitos pelo Estado de Alagoas.
Do outro lado do Congresso, outro alagoano está em posição de destaque. Renan Calheiros (PMDB) vai presidir o Senado Federal pelos próximos dois anos. Desde a vitória de Fernando Collor de Mello para presidente da República, em 1989, que Alagoas não tinha tanta relevância na política nacional.

Como atua o baixo clero
O deputado do baixo clero é basicamente alguém que não teve força política para conseguir ser notado pela mídia dentro da Câmara. Aparecer num jornal de TV é uma das formas de sobrevivência do congressista. Seu nome fica em evidência e ele ou ela tem uma chance maior de reeleição na próxima disputa.
Sem acesso à mídia, sua saída é uma só: conseguir alguma verba no Orçamento da União para obras em cidades onde estão seus eleitores. Todos os anos a história se repete. Em novembro e dezembro os deputados coletam assinaturas de apoio a emendas ao Orçamento. Quando conseguem, o passo seguinte é fazer a notícia sair nos jornais de seu Estado.
O ato subseqüente é dizer: "Preciso do apoio dos meus eleitores para pressionar o governo a liberar a verba da emenda". Aí começa uma série interminável de visitas a gabinetes na Esplanada dos Ministérios. Como o país está há décadas tentando reduzir seu déficit, as emendas paroquiais dos deputados são as primeiras a terem sua liberação dificultada. Essa é uma das razões básicas para a crônica desavença entre o baixo clero e o Poder Executivo.
É comum ver deputados resmungando no caminho que os leva do plenário para o edifício conhecido como Anexo 4, onde estão a maioria dos gabinetes. É um caminho longo, que inclui uma passarela subterrânea apelidada de túnel do tempo, pelas suas esteiras rolantes e paredes arredondadas serem semelhantes ao cenário de uma antiga série de TV norte-americana com o mesmo nome.
Grande parte do anedotário e dos costumes da Câmara remete um pouco aos anos 70 e 80. O Anexo 4, por exemplo, é conhecido como Serra Pelada. Sua fachada amarela foi a deixa para que os funcionários da Casa apelidassem o edifício com o nome da região do Pará onde prosperou um garimpo de ouro no início da década de 80.
O saguão da entrada principal da Câmara é conhecido até hoje como chapelaria, embora há muitos anos ninguém apareça por ali com um chapéu para guardar.


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