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"Se o governo retaliar, vai ter troco"
DO COLUNISTA DA FOLHA
Folha - Por que foi rompida a
tradição de eleger o candidato do
partido majoritário?
João Caldas - Tradição não é lei.
Não passa de conchavo de poucas
pessoas. Dos 513 deputados, só
uns 20 resolvem tudo. O resto toma conhecimento pelo ""Jornal
Nacional". A maioria é usada como moeda de troca.
Folha - Por que a maioria silenciosa decidiu gritar?
Caldas - Juntou a fome com a
vontade de comer. O PT já estava
tratando mal os deputados.
Quando eles empurraram [Luiz
Eduardo] Greenhalgh goela abaixo, a gente falou: tudo tem limite.
Folha - O governo afirma que foi
traído.
Caldas - Traição de quem? Não é
nossa. O deputado liga para ministro e não tem retorno. Os líderes se reúnem aqui e, quando vão
para o Palácio, já está tudo acertadinho. Se insinuam para, depois,
virar ministro. No final, os deputados viram vaca de presépio. Fica
todo mundo fazendo papel de jarro. Serve só para decoração.
Folha - Por que a reação foi coletiva?
Caldas - Quando um só reage, a
cabeça rola. Com essa oportunidade ímpar que se apresentou
agora, de todos se reunirem, vimos que, no voto secreto, podíamos fazer o que quiséssemos.
Folha - A desatenção dos ministros pesou no resultado?
Caldas - Os deputados têm até
vergonha de dizer o que passam
na Esplanada. A desatenção não é
só do ministro. A gente leva chá
de cadeira até de funcionário do
quinto escalão.
Folha - A ausência de liberação de
emendas pesou?
Caldas - O pior não é nem a ausência de liberação. O pior é a
gente ser enganado. O cara diz
que vai resolver e não resolve nada. A gente gera uma expectativa
com os eleitores, faz o discurso e a
coisa não acontece.
Folha - Por que a reação dos deputados só veio agora?
Caldas - A verdade é que o regimento interno do Congresso é o
"Diário Oficial" da União. O deputado fica fragilizado porque
tem um cargo, uma indicação. Se
fala mal do governo eles vão lá e
demitem. Você fica sem força política na base. É um jogo de chantagem, não de confiança. Chegou
a um ponto que todo mundo disse: "É na chantagem? Então vamos
na chantagem". É faca no pescoço
de um lado e de outro.
Folha - Quando a reação foi decidida?
Caldas - Ninguém brincou o
Carnaval. Foi uma verdadeira Inconfidência Mineira, um baile de
máscaras no escuro. Nós, que estávamos com o Virgílio Guimarães, na noite anterior, percebemos que a pressão do governo tinha surtido efeito no caso de alguns deputados. No segundo turno, quem votou contra o Greenhalgh repetiu o voto. Era Severino vivo ou morto, sem acordo.
Folha - Os srs. não temem uma retaliação do governo?
Caldas - Vão ter que mexer com
300 deputados. Existe aqui um
acordo. Se o governo retaliar os
deputados, vai ter troco na Câmara. Vamos nos proteger uns aos
outros. Nenhum parlamentar será atingido sem que a nova Mesa
Diretora, o presidente da Câmara
tome providências.
Folha - Como seria esse troco?
Caldas - Mil formas, todo dia, a
cada minuto. Por exemplo: temos
o poder de nomear os relatores
das medidas provisórias, temos
os decretos legislativos... Essa ferramenta é fortíssima. Com um
decreto legislativo podemos fazer
um bocado de coisas, até demissão de ministro.
Folha - O presidente Severino Cavalcanti segue essa linha?
Caldas - Está nessa linha de cordialidade, amizade com o governo, ajudar o Lula. Mas tem uma
cartilhazinha para cumprir: tratar
bem o deputado, liberar as emendas dos deputados, reconhecer a
autoridade dos deputados... Nada
de perseguição. Vamos conquistar espaço no governo e o governo
vai conquistar a gente. Será namoro eterno. A Mesa Diretora está bem arrumadinha. Estamos fechadinhos, combinadozinhos. Se
mexerem com o deputado fraquinho, lá de não sei onde, pára tudo
e vem cá: por que mexeu com ele?
Folha - Então não haverá retaliação?
Caldas - Nunca vi governo nenhum brigar com o Legislativo e
se sair bem. Se você fizer uma CPI
no Vaticano pega o papa, que é
um santo. Imagine aqui.
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