São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2005

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"Se o governo retaliar, vai ter troco"

DO COLUNISTA DA FOLHA

Folha - Por que foi rompida a tradição de eleger o candidato do partido majoritário?
João Caldas -
Tradição não é lei. Não passa de conchavo de poucas pessoas. Dos 513 deputados, só uns 20 resolvem tudo. O resto toma conhecimento pelo ""Jornal Nacional". A maioria é usada como moeda de troca.

Folha - Por que a maioria silenciosa decidiu gritar?
Caldas -
Juntou a fome com a vontade de comer. O PT já estava tratando mal os deputados. Quando eles empurraram [Luiz Eduardo] Greenhalgh goela abaixo, a gente falou: tudo tem limite.

Folha - O governo afirma que foi traído.
Caldas -
Traição de quem? Não é nossa. O deputado liga para ministro e não tem retorno. Os líderes se reúnem aqui e, quando vão para o Palácio, já está tudo acertadinho. Se insinuam para, depois, virar ministro. No final, os deputados viram vaca de presépio. Fica todo mundo fazendo papel de jarro. Serve só para decoração.

Folha - Por que a reação foi coletiva?
Caldas -
Quando um só reage, a cabeça rola. Com essa oportunidade ímpar que se apresentou agora, de todos se reunirem, vimos que, no voto secreto, podíamos fazer o que quiséssemos.

Folha - A desatenção dos ministros pesou no resultado?
Caldas -
Os deputados têm até vergonha de dizer o que passam na Esplanada. A desatenção não é só do ministro. A gente leva chá de cadeira até de funcionário do quinto escalão.

Folha - A ausência de liberação de emendas pesou?
Caldas -
O pior não é nem a ausência de liberação. O pior é a gente ser enganado. O cara diz que vai resolver e não resolve nada. A gente gera uma expectativa com os eleitores, faz o discurso e a coisa não acontece.

Folha - Por que a reação dos deputados só veio agora?
Caldas -
A verdade é que o regimento interno do Congresso é o "Diário Oficial" da União. O deputado fica fragilizado porque tem um cargo, uma indicação. Se fala mal do governo eles vão lá e demitem. Você fica sem força política na base. É um jogo de chantagem, não de confiança. Chegou a um ponto que todo mundo disse: "É na chantagem? Então vamos na chantagem". É faca no pescoço de um lado e de outro.

Folha - Quando a reação foi decidida?
Caldas -
Ninguém brincou o Carnaval. Foi uma verdadeira Inconfidência Mineira, um baile de máscaras no escuro. Nós, que estávamos com o Virgílio Guimarães, na noite anterior, percebemos que a pressão do governo tinha surtido efeito no caso de alguns deputados. No segundo turno, quem votou contra o Greenhalgh repetiu o voto. Era Severino vivo ou morto, sem acordo.

Folha - Os srs. não temem uma retaliação do governo?
Caldas -
Vão ter que mexer com 300 deputados. Existe aqui um acordo. Se o governo retaliar os deputados, vai ter troco na Câmara. Vamos nos proteger uns aos outros. Nenhum parlamentar será atingido sem que a nova Mesa Diretora, o presidente da Câmara tome providências.

Folha - Como seria esse troco?
Caldas -
Mil formas, todo dia, a cada minuto. Por exemplo: temos o poder de nomear os relatores das medidas provisórias, temos os decretos legislativos... Essa ferramenta é fortíssima. Com um decreto legislativo podemos fazer um bocado de coisas, até demissão de ministro.

Folha - O presidente Severino Cavalcanti segue essa linha?
Caldas -
Está nessa linha de cordialidade, amizade com o governo, ajudar o Lula. Mas tem uma cartilhazinha para cumprir: tratar bem o deputado, liberar as emendas dos deputados, reconhecer a autoridade dos deputados... Nada de perseguição. Vamos conquistar espaço no governo e o governo vai conquistar a gente. Será namoro eterno. A Mesa Diretora está bem arrumadinha. Estamos fechadinhos, combinadozinhos. Se mexerem com o deputado fraquinho, lá de não sei onde, pára tudo e vem cá: por que mexeu com ele?

Folha - Então não haverá retaliação?
Caldas -
Nunca vi governo nenhum brigar com o Legislativo e se sair bem. Se você fizer uma CPI no Vaticano pega o papa, que é um santo. Imagine aqui.


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