São Paulo, segunda-feira, 20 de março de 2000


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AVANÇA BRASIL
Intervenções nos rios Araguaia, Tocantins e das Mortes prevêem explosões e dragagem da calha
Hidrovia do governo ameaça matar rios

FAUSTO SIQUEIRA
da Agência Folha, em Brasília e
em São Félix do Araguaia (MT)


Um dos principais projetos do programa Avança Brasil, do governo federal, corre o risco de se transformar em um dos maiores desastres ambientais do país.
O alerta é de dez especialistas em fauna, antropologia, economia, direito ambiental, geologia, geografia e turismo, que produziram uma análise técnica do projeto da hidrovia Tocantins-Araguaia a ser divulgada na próxima quarta em Brasília.
A exemplo do Ministério Público Federal, que moveu ações contra a obra, eles também questionam o estudo de impacto ambiental apresentado ao Ibama pela Ahitar (Administração da Hidrovia Tocantins-Araguaia), com base no qual foi formulado o documento.
Ontem, a Folha revelou que projeto do governo federal, que também faz parte do Avança Brasil, de recuperação e pavimentação de estradas ameaça condenar à destruição até 180 mil km2 de florestas do Norte do país.
Patrocinado por sete organizações não-governamentais (Cebrac, Instituto Socioambiental, WWF, Rede Cerrado, Simpósio Ambientalista do Cerrado, Rede Internacional de Rios e Coalizão Rios Vivos), o trabalho sobre a hidrovia, de 160 páginas, levou seis meses para ser concluído e custou R$ 120 mil.
O objetivo da implantação da hidrovia é oferecer aos produtores baixo custo de transporte, a fim de induzir a expansão da fronteira agrícola para uma área de 1,8 milhão de km2 nos Estados de Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Pará e Maranhão.
Empresários, prefeitos e os governos federal e dos cinco Estados tentam dar andamento ao projeto, atualmente parado devido às medidas judiciais impetradas pelo Ministério Público.
As obras civis da hidrovia implicam intervenções em 87 pontos nos rios Araguaia, Tocantins e das Mortes. Essas intervenções prevêem explosões de rochas e dragagem da calha dos rios, a fim de garantir, nos períodos de estiagem, a navegabilidade das balsas carregadas com produtos como a soja, destinada à exportação pelos portos da região Norte.
Segundo o estudo, as obras alterarão a dinâmica hídrica, principalmente do Araguaia, provocando seca em áreas naturalmente inundáveis, inundação em áreas secas e alterações capazes de gerar morte de peixes, fonte de alimentação dos índios que vivem próximos aos rios.
"Haverá uma brusca inversão das condições ambientais. Isso vai interferir no sustento do homem que vive ali e até em empreendimentos econômicos que dependem de água para a irrigação", diz o geólogo Tadeu Veiga, um dos autores do estudo.
A viabilidade econômica da hidrovia também é questionada. De acordo com o coordenador do trabalho, o engenheiro Maurício Galinkin, o transporte de uma tonelada de soja entre Goiânia (GO) e São Luís (MA) pela ferrovia Norte-Sul custaria US$ 55,75 contra US$ 93,3 pela hidrovia.
Pela Ferronorte, outra rota alternativa, segundo Galinkin, o custo do frete da mesma carga entre Nova Xavantina (MT) e o porto de Santos, custaria US$ 62,74. Pela hidrovia, o produto chegaria ao porto de Ponta da Madeira (MA) por US$ 103,3.
Ministério dos Transportes e empresários rejeitam essas conclusões e afirmam que a hidrovia é o meio de transporte mais barato e de menor dano ambiental (leia texto nesta página).
O documento das ONGs será referência em uma audiência pública extra-oficial no próximo dia 1º em São Félix do Araguaia (MT). O objetivo da audiência, convocada pela Prelazia de São Félix, CPT (Comissão Pastoral da Terra) e Cimi (Conselho Indigenista Missionário), é mobilizar índios e população contra o projeto da hidrovia e tirar a discussão sobre a obra do âmbito local.
"A mobilização dos indígenas é fundamental. Isso atrairá apoio internacional e criará embaraço para o governo", afirma José Pontim (sem partido), vereador, ex-prefeito de São Félix e um dos organizadores da audiência.
São esperados cerca de mil participantes, 300 dos quais procedentes de aldeias indígenas e cidades próximas, que serão levados em barcos e ônibus.
As cinco audiências públicas oficiais sobre o assunto agendadas duas vezes pelo Ibama foram suspensas no ano passado por força de liminares obtidas pelo Ministério Público Federal.
O Ministério Público denunciou uma suposta fraude no estudo prévio de impacto ambiental apresentado pela Ahitar ao Ibama. O relatório teria sido alterado para omitir consequências da obra sobre os grupos indígenas da região do rio Araguaia.
O caso está sendo apurado pela Polícia Federal, mas avaliação do estudo prévio feita no mês passado por um grupo de professores da USP (Universidade de São Paulo) apontou não haver omissão deliberada de informações no documento.


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