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BRASIL 500
Texto que será debatido pela CNBB coloca a hierarquia católica como co-responsável por tornar país desigual e violento
Igreja quer pedir perdão pelo presente
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
A Igreja Católica no Brasil se
sente "co-responsável" pelas "falhas" da sociedade contemporânea, que tornam o país desigual,
discriminatório e violento. Para se
penitenciar, pretende pedir desculpas em público não apenas por
"erros do passado", mas também
por "faltas do presente".
A intenção está expressa numa
carta de 21 páginas que circula
desde o começo de março entre os
406 bispos que compõem o episcopado brasileiro. A Folha conseguiu uma cópia do documento,
guardado sob sigilo.
O clero não o divulga oficialmente porque se trata ainda de
um anteprojeto. Composto de 86
itens, o texto norteará as discussões da próxima assembléia geral
da CNBB (Conferência Nacional
dos Bispos do Brasil), que irá
ocorrer a partir do dia 26 de abril
em Porto Seguro (BA).
Da reunião, prevista para terminar dia 3 de maio, sairá a versão
definitiva do documento, que poderá conter alterações substanciais. O texto final apresentará
uma análise dos 500 anos de evangelização. Será uma espécie de balanço, em que o episcopado apontará os efeitos positivos e negativos do catolicismo sobre o país.
A igreja já anunciara que, na
"mensagem de Porto Seguro", pedirá perdão pelos abusos cometidos contra os índios durante o período colonial, quando tentava
catequizá-los -processo que
acabou por desrespeitar e demonizar a cultura nativa. Já dissera,
igualmente, que aproveitará a assembléia geral para reconhecer o
quanto se omitiu no combate à escravização dos negros.
O anteprojeto faz, de fato, tal
"mea culpa". Oferece, porém, um
dado novo: reserva 11 páginas para rever o país de hoje e colocar a
igreja como cúmplice das mazelas
cotidianas "de nossa sociedade".
Olhando o passado e o presente,
pede perdão "a Deus e aos irmãos
ofendidos, na convicção de que os
500 anos do Brasil serão celebrados muito melhor com o compromisso de transformar nossos atos
do que com a retórica do ufanismo".
Uma comissão designada pela
presidência da CNBB escreveu a
carta provisória. Entre os seis redatores, há três bispos (d. Marcelo
Carvalheira, d. Luciano Mendes
de Almeida e d. Aloísio Lorscheider) e três padres (Mário França
de Miranda, Alberto Antoniazzi e
Manoel Godoy). Todos se ligam à
chamada ala progressista do clero
-aquela que vê o cristianismo
também como um caminho para
a justiça social.
Os pedidos de perdão que a
CNBB lançará na Bahia estão em
sintonia com as orientações de
João Paulo 2º. Por ocasião dos
2.000 da igreja, o papa vem convidando os católicos a um exame de
consciência coletivo e à purificação da memória.
Individualismo
Quando se debruça sobre o cenário atual, o anteprojeto assume
um tom militante, o que certamente desagradará bispos mais
conservadores.
O texto afirma que, com a redemocratização da década de 80, o
Brasil poderia ter superado um
modelo econômico que favorece
"o luxo e o esbanjamento de uma
minoria". No entanto, deu-se justamente o contrário: "aumentou a
distância entre o povo e a classe
política", as desigualdades cresceram e o Estado se distanciou "dos
cidadãos", revelando-se incapaz
de "garantir a segurança contra a
violência e as agressões". A mídia
valeu-se do vácuo e ficou cada vez
mais poderosa, "particularmente
a televisão".
A carta avalia, ainda, que se instalou no país "uma mentalidade
individualista hegemônica, aliada
ao culto da eficiência e da produtividade". O fenômeno transformou "a preocupação de ganhar
dinheiro em valor supremo" e
provocou "o enfraquecimento da
ética no exercício das profissões e
na gestão dos recursos públicos".
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