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JANIO DE FREITAS
As armas da mentira
A imaginação, algo obsessiva, das aflições por que
passam tantas pessoas no Iraque, à espera de que os mistérios
do acaso decidam, de um momento para outro, o que acontecerá aos seus filhos, às suas famílias, à dimensão já desumana da sua tragédia, tem um equivalente em intensidade. É a repugnância provocada pelo cinismo com que certos tipos exibem a sua sanha facinorosa, disfarçada em defesa responsável de valores primordiais.
Os Estados Unidos e a Inglaterra não vão atacar Saddam
Hussein. Vão atacar um país e seu povo. Assim como as forças
de Hitler não atacaram Churchill, mas a Inglaterra e os ingleses. E americanos, ingleses e soviéticos não atacaram Hitler, mas a Alemanha e os alemães.
O que distingue a situação de
hoje e a da Segunda Guerra
Mundial são as respectivas causas. As guerras distinguem-se,
antes de tudo, pelas causas que
envolvem.
Quase três centenas de inspetores da ONU não encontraram
as armas cuja posse fora proibida ao Iraque. Bush e Tony Blair
os contestaram, afirmando possuir provas. As do primeiro foram fotos de caminhões e galpões vistos de cima, sem indício
do que contivessem e feitas em
ocasião imprecisa. Blair foi ainda mais longe, apresentando ao
Parlamento um relatório que
logo se descobriu ser a cópia descarada de um trabalho acadêmico esquecido.
O primeiro-ministro alemão,
Gerhard Schröder, reagiu ao ultimato de Bush a Hussein com
sua precisa síntese: "Para mim,
a questão era e é esta: o nível de
ameaça representado pelo ditador Hussein justifica uma guerra que provocará a morte de milhares de homens, mulheres e
crianças inocentes? Para mim, a
resposta era e é esta: não".
É isso: com ou sem armas proibidas, Hussein não emitiu, desde a Guerra do Golfo há 12 anos,
nada interpretável como ameaça real. O longo bloqueio econômico ao Iraque retirou-lhe,
além do mais, os recursos exigidos pelo fortalecimento de suas
forças armadas.
Apesar da falta de provas das
armas proibidas e ainda de
ameaças reais, ambas são as
única pretensas razões invocadas por Bush e Blair para atacar
o Iraque. Logo, em todos os sentidos jurídicos e morais, Estados
Unidos e Inglaterra vão fazer o
ataque com base no que, por tudo o que é sabido de fato, até
agora não passa de mentira.
Documentos provenientes de
arquivos oficiais americanos revelaram, há pouco mais de um
ano, que jamais houve o ataque
a um navio da marinha americana no golfo de Tonkin. O episódio, que deu motivo ao ataque dos Estados Unidos ao Vietnã do Norte, foi forjado em conjunto pelos Departamentos de
Defesa e de Estado e pela CIA,
para criar a aparente justificativa ao ataque desejado.
No caso do Iraque, emerge
uma pergunta: por que a urgência de Bush, a ponto de lançar
um ultimato até mais agressivo
contra a ONU do que contra o já
condenado Iraque? A resposta
talvez esteja em outra pergunta:
e se os inspetores da ONU, podendo continuar suas minuciosas buscas, não encontrassem mesmo armas proibidas, o que seria do Bush que já não conseguira prender Bin Laden?
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