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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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NO AR

Ferramenta política

NELSON DE SÁ
EDITOR DA ILUSTRADA

Semanas atrás, a TV a cabo C-Span, que transmite conferências e outros eventos políticos (até mesmo a posse de Lula) e que se pode assistir com qualidade na internet, apresentou um desabafo do editor do "New York Times".
Dramaticamente, ele pediu de seus colegas que reajam contra o "esforço enérgico" que vem sendo feito para estigmatizar como "liberal", ideológico, o legado histórico da cobertura com isenção nos EUA:
- Nós que trabalhamos em publicações e TVs com mentalidade isenta temos sido passivos em denunciar as agendas dos que usam o jornalismo como ferramenta política, ao mesmo tempo em que apontam o dedo contra os que praticam jornalismo equilibrado.
Falava indiretamente da Fox News e demais vozes da News Corp., do ultraconservador Rupert Murdoch, mas também de grupos lobistas menores, como o Media Research Center.
O MRC já está em campo para a guerra contra o Iraque, constrangendo coberturas, principalmente de televisão, que não se ajustem à política de George W. Bush.
Anteontem, divulgou um "relatório" contra a rede ABC e seu âncora canadense, Peter Jennings, por cobrirem sem criticar os protestos "radicais" dos pacifistas e por fazerem "propaganda iraquiana", sem falar do apoio à França.
É parte do "esforço enérgico" que vem acuando toda a mídia americana, sobretudo depois do 11 de setembro.
 
Aos poucos, o debate sobre a cobertura da guerra se espalha pelos canais americanos, mas anda tão estranho quanto a própria cobertura.
A Fox News dizia ontem, por exemplo, que não é ilegal que os militares do país mintam aos jornalistas, se for necessário para vencer. E que, é claro, a cobertura de seus quatro concorrentes, sobretudo a ABC, é "antiamericana".
Dias antes, uma dúzia de republicanos pediu declaradamente "censura" à cobertura na frente de guerra.
Em outra direção, já se levanta aqui e ali a questão recorrente das últimas guerras americanas: as agências de notícias e as TVs vão mostrar as imagens mais cruas dos efeitos dos ataques? Os corpos?
 
Tem gente nos EUA, caso da ABC, que ainda diz que esta é a guerra com maior liberdade de cobertura desde o Vietnã. E com uma vantagem: a tecnologia em vídeo vai permitir uma guerra "ao vivo".
Já estão todos lá, junto às tropas americanas. Até a Al Jazeera está com as tropas. E todos têm seus videofones e telefones por satélite.
Isso, do lado americano. Do outro lado, sobraram uns poucos, para constar.
 
Para quem acredita que Fox News e MRC são coisas de outro mundo, vale registrar que o Brasil já tem seus MRCs, com propósitos abertamente iguais -ou seja, constranger a mentalidade isenta.


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