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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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CELSO PINTO

Cenário melhora, mas a meta já foi

A meta oficial para a inflação deste ano continua sendo de 8,5%, mas no próprio Banco Central admite-se que é virtualmente impossível atingi-la. Já se escuta lá o argumento de que o importante é que as expectativas caminhem para a meta de 5,5% para 2004. O Ipea, órgão do governo ligado à Secretaria do Planejamento, trabalha com uma projeção de inflação de 12,5% neste ano.
Se a inflação está fora da rota, por que o BC decidiu ontem não elevar os juros? Nas crises de meio de ano dos dois últimos anos, a desculpa para não subir os juros foi que, dado o prazo curto, cumprir a meta exigiria uma enorme e injustificada recessão. Como estamos no dia 19 de março, não dá para usar o mesmo argumento.
A meta ficou quase impossível porque a inflação acumulada em dois meses deixou espaço para uma inflação mensal média de apenas 0,5% nos dez meses restantes. Como a de março já está comprometida, perto de 1%, e as de julho e agosto também, pelo aumento dos preços administrados, a inflação teria que ser baixíssima nos outros sete meses para ficar em 8,5%.
O mais provável é que o governo saiba que a inflação vai superar 8,5%, mas ache que o custo de chegar lá seja alto demais e não queira rever, mais uma vez, a meta oficial. Relevante mesmo não é saber se a inflação será de 8,5%, 10% ou os 12,4% projetados pelo mercado. É ter certeza de que ela não será alta o bastante para recriar mecanismos de indexação e, mais importante, que a tendência nos últimos meses do ano seja de queda firme.
É impossível, hoje, saber se esses dois riscos estão afastados -razão para alguns bancos defenderem alta dos juros. Ao indicar viés de alta, ontem, o BC se deu o direito de elevar o juro, nas próximas semanas, conforme a evolução do IPCA e da guerra. Mas é fato que havia também boas notícias a considerar no Copom.
A inflação, na margem, está caindo. O nível de atividade e de emprego não mostra qualquer sinal de aquecimento. O real se valorizou, e o risco Brasil caiu. A projeção do mercado para a inflação deste ano recuou, na última semana, de 12,58% para 12,38%. É uma queda pífia, mas é a primeira que ocorre em mais de um ano, o que pode indicar que as expectativas estão, no mínimo, se estabilizando.
Uma boa notícia menos notada é uma maior convergência nas projeções. No segundo semestre do ano passado, as projeções dispararam (de menos de 5% para quase 11% em quatro meses) e sofreram enorme dispersão. Desde então, o desvio-padrão caiu pela metade e é hoje comparável a meados de 2002.
A dispersão reflete insegurança em relação ao futuro e acaba exigindo juros ainda maiores para obter resultados. A redução no desvio-padrão, aliás, aconteceu com todas as projeções do mercado, do PIB à dívida interna. Indício de que os sinais de política econômica estão mais coerentes.
Outra boa notícia exige qualificação. O BC passou a divulgar a projeção da inflação para 12 meses seguintes, ponderando, proporcionalmente, o que o mercado espera para este ano e para 2004. Por este critério, o pico, de 13,3%, foi em dezembro, caindo para 12% em fevereiro e 11,1% na sexta-feira. Alguns economistas alegam que a projeção do mercado para 2004, imutável em 8% desde o início do ano, é feita com menos cuidado pelo mercado e, portanto, deve ser levada menos à sério.
De todo modo, olhando 12 meses adiante, como a inflação projetada cai e o juro básico tem subido, há um aumento do juro real projetado, de 10,3% no início de janeiro para 13,7% em março. Como a média do juro real projetado em 12 meses foi de 12% desde 1999, por este critério o BC pode alegar que o juro já está bem apertado e em alta.
Com tantas dúvidas sobre juro e inflação, de onde vem o entusiasmo recente do mercado internacional com o Brasil? Do inegável aumento na capacidade do país de honrar sua dívida, seja pela extraordinária melhora nas contas externas, seja pelo aumento do superávit fiscal (reduzindo o risco de um calote da dívida interna, que poderia contaminar a dívida externa). O risco de não receber ficou pequeno, enquanto os juros pagos pelo Brasil continuam grandes. No fundo, é isso o que mais interessa ao investidor externo.

E-mail: CelPinto@uol.com.br


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