São Paulo, sexta, 20 de março de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS
Arrocho de notícias

Tal como se estivesse nos tempos em que um militar ou um tira ligava para as redações e comunicava a proibição a uma notícia, o leitor-espectador dificilmente soube da greve de professores nas mais importantes universidades federais pelo país afora, para um protesto inicial de dois dias contra o arrocho dos salários indignos.
Daquele para este tempo, a diferença formal é que os telefonemas não foram de militar nem de tira. Daí resultando a diferença essencial de que o boicote à notícia não foi imposto pela ameaça de punição: foi feito só pela subserviência.
E que prejuízo ao país, ou à sociedade, ou ao governo mesmo, afinal que prejuízo causaria a notícia? Ou seria causado por sua correta dimensão jornalística? Nenhum. A sonegação da notícia teve só a finalidade de servir ao governo, como se ainda faltassem demonstrações de que isso não tem limites, e, no governo, a mesma motivação que tinha o regime militar: a suposição debilóide e vã, produto da má consciência, de que o desconhecimento alheio inverte o caráter dos seus malfeitos.
Professores-doutores ganhando como sargentos da PM. Muitos, nem isso -ganhando como cabos, mesmo. E, se protestam ao fim de três anos e picos sem ao menos a atualização dos seus salários só para acompanhar a inflação, o jornalismo da grande democracia brasileira não lhes reconhece sequer o direito de ser notícia.
Tradução
As verbas dadas pelo governo a deputados, na votação da reforma da Previdência, não se limitaram aos já descobertos R$ 600 milhões da Caixa Econômica Federal: também verbas dos orçamentos da Saúde e da Educação entraram nas transações feitas na casa de Sérgio Motta, terça-feira à noite. O que não se sabe é se nessa ambientação cavernosa os presentes eram mesmo 40.
Sempre que um deputado votou por outro, a origem do gesto era um interesse material. Os votos dados quarta-feira pelo petebista José Borba como se fosse o pefelista Valdemar Meger, em três votações da Previdência, eram uma ajuda para o ausente não perder sua parte nas centenas de milhões que o governo do honrado Fernando Henrique estava distribuindo, em troca da votação desejada.
Verbas orçamentárias atrasadas, dizem o presidente da Caixa, Sérgio Cutolo, e os líderes dos partidos governistas. Exceto um, Inocêncio de Oliveira, que não caiu na asnice de invocar trâmites legais complicados, causando o atraso, diante da súbita e fácil liberação de duas tacadas de R$ 300 milhões cada. Seu comentário:
"O governo já podia ter liberado essas verbas há mais tempo, em vez de só liberar na véspera da votação da reforma da Previdência."
Tradução: as verbas foram retidas como chantagem. Prática já tão usual, por parte do governo honesto de Fernando Henrique Cardoso, quanto a compra de parlamentares por métodos convencionais no comércio.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.