São Paulo, domingo, 20 de abril de 1997.

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JANIO DE FREITAS
Palavras já não bastam

Em uma das manifestações da sua indigestão (tornou-se urgente a criação de um digestivo para os obrigados a engolir o que disseram), o ministro Raul Jungmann fechou com frase preciosa um relato de providências de repente acenadas aos sem-terra que já entravam em Brasília: ``Mas eles têm que dar alguma coisa em troca''. Era toda a fraqueza do governo todo-poderoso que se declarava ali, na timidez de uma compensação vaga e não mais do que hipotética. Uma frase sem mais pretensão do que livrar a face.
A marcha dos sem-terra já deu ao governo o que de melhor poderia dar. Deu ao governo uma infinidade de lições. A começar do ensinamento de que não deve mais disfarçar sua inoperância, que é geral e não só na reforma agrária, com desaforos bobos e bravatas juvenis, como vinham fazendo Fernando Henrique e Jungmann com os líderes dos sem-terra e em relação à marcha mesma (``só vai chegar uma dúzia a Brasília, se chegar'').
O que é que o governo promete fazer agora e não poderia ter feito há um ano ou dois? Nenhuma das numerosas providências citadas se tornaria possível por haver, agora, mais dinheiro disponível, que, de resto, nem há. Disponíveis já eram os financiamentos prometidos, hoje, no BNDES, que continua pondo dinheiro pelo ladrão - literalmente, aliás. As medidas administrativas, por sua vez, também não estão favorecidas por condições inexistentes há um ano ou dois. Tudo o que a pressão tornou possível já o era sem pressão.
Não difere da reforma agrária o que se passa com todos os outros problemas que o governo aborda apenas com estocadas publicitárias, para engambelar incautos. Só um exemplo: este, na discurseira de Fernando Henrique, é o ``Ano da Saúde''. Mas ninguém viu ao menos uma medidazinha que começasse a justificar o batismo do ano. Nem a Saúde viu um centavo mais. Só a menos e não em centavos, mas em centenas. De milhões.
A lição a marcha ofereceu: governante que não age faz agirem os que não são governo. Mas dois anos dedicados a obter a emenda da reeleição prometem outros dois dedicados a obter a reeleição de fato.
Excepcional
Diretor-geral da TV Manchete em Brasília, o jornalista Carlos Chagas não considera ``a Rede Manchete incluída no rol das televisões que demonstraram sua incompatibilidade com o interesse público''. A demonstração, segundo artigo aqui na sexta-feira, foi dada pela não transmissão ao vivo da chegada da marcha a Brasília, que as próprias televisões, em seus telejornais noturnos, realçaram como acontecimento excepcional.
Pelo apreço que Carlos Chagas merece, não cabe dúvida de que a Manchete tenha transmitido, ``desde 9h da manhã até 8h30 da noite, 11 inserções (flashs) da marcha gerados em Brasília''. Mais uma razão para lamentar a falta de sorte que, em casa e, depois, com colegas na sucursal carioca da Folha, nos negou a coincidência entre nossa busca e pelo menos alguns flashs.

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