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Tribunal acusa a Gautama de fraudar licitação de R$ 1,62 bi
Empresa teria sido beneficiada por prefeitura de Mauá (SP) em contrato irregular
Segundo Tribunal de Contas
de SP, edital fez exigências
"exorbitantes'; prefeitura e
empresa, pivô da Operação
Navalha, negam acusações
RUBENS VALENTE
JOSÉ ALBERTO BOMBIG
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma licitação bilionária vencida em Mauá (Grande SP) pela
Construtora Gautama, pivô da
Operação Navalha desencadeada anteontem pela Polícia Federal, foi condenada pelo TCE
(Tribunal de Contas do Estado)
de São Paulo por supostos indícios de manipulação nas regras
do edital que teriam tido o propósito de restringir o número
de empresas concorrentes.
A Gautama obteve da Prefeitura de Mauá, na segunda gestão de Oswaldo Dias (PT), entre
2001 e 2004, a concessão para
explorar os serviços de captação e tratamento de esgoto do
município por 30 anos. O contrato é de R$ 1,62 bilhão.
Segundo a área técnica do
TCE e o parecer do conselheiro
relator, Eduardo Bittencourt
Carvalho, o edital fez exigências "claramente exorbitantes",
resultando num contrato "irregular" porque "afrontou a isonomia e a plena competitividade". De 41 empresas que retiraram o edital da licitação, apenas
duas foram habilitadas e puderam apresentar propostas.
Após a vitória da Gautama, não
houve recurso do segundo colocado, o consórcio Mauásan
(Triunfo Participações e Hagaplan Planejamento).
O parecer técnico do TCE foi
acolhido em junho passado por
unanimidade na Primeira Câmara do tribunal. A decisão
prevê o cancelamento do edital
e do contrato. A prefeitura de
Mauá e a Gautama, que alegam
a regularidade da competição,
apresentaram recurso, que está
sob análise no tribunal.
A principal crítica do TCE
trata dos índices mínimos de liqüidez geral de curto e de longo
prazos exigidos pela prefeitura
das empresas interessadas na
disputa. Tais índices revelam o
potencial da empresa para pagar suas dívidas. A cada R$ 1,00
em compromissos de curto e
longo prazos, o edital exigia que
as empresas tivessem R$ 3,00
em seus ativos. Segundo o TCE,
em "casos extremos", o índice
aceito pelo tribunal não passaria de 1,5 -R$ 1,50 para cada R$
1,00 em dívidas.
Indiretamente, um ofício enviado pela comissão de licitação ao TCE reconhece que houve "maior rigor" na definição
do índice. Também foram criticados trechos do edital que supostamente fortaleciam a interpretação subjetiva das propostas técnicas das concorrentes. A única adversária da Gautama recebeu nota dez na proposta comercial, mas acabou
perdendo na nota geral. Os critérios para escolha eram menor preço e melhor técnica.
O contrato foi assinado em
janeiro de 2003 por Oswaldo
Dias (PT), ex-prefeito do município (1997-2004) e o empresário Zuleido Soares de Veras, dono da Gautama preso na última
quinta-feira pela PF com seu filho e funcionários.
Documentos que integram o
processo revelam que a própria
diretoria jurídica da Prefeitura
de Mauá fez vários questionamentos sobre o edital, em ofícios enviados à comissão de licitação. Houve uma troca ácida
de correspondência entre os
dois setores da prefeitura até
que, por fim, em 13 de dezembro de 2001, a diretora jurídica
deixou registrado que os argumentos da comissão permaneciam insuficientes.
Na primeira fase da disputa, a
comissão era presidida pelo
próprio secretário municipal
de Obras, Luiz Carlos Theophilo. A ordenadora das despesas
do contrato era a então secretária municipal de Finanças de
Mauá, Valdirene Dardin, presa
em 2005 acusada de retirar R$
230 mil de uma conta da prefeitura no Santander Banespa.
A Sabesp (Companhia de Saneamento de Estado de São
Paulo), que alegava ter um crédito de R$ 44 milhões com a
prefeitura de Mauá, também
atacou os termos da licitação.
Uma representação da área jurídica da empresa apontou a
suposta "infração de princípios
constitucionais, como a legalidade, o julgamento objetivo, a
"vantajosidade" pública, a isonomia, a moralidade, a publicidade, a transparência, a eficiência e a motivação".
A representação foi também
rejeitada pela comissão de licitação. Em ofício, o prefeito Oswaldo Dias acolheu os argumentos da comissão e determinou "o descolhimento do pleito
[da Sabesp]". As afirmações da
Sabesp também foram analisadas pelo TCE. O tribunal determinou o arquivamento da representação, mas salientou que
a área técnica deveria acompanhar o andamento da disputa
para, num estudo mais aprofundado, averiguar se certas
exigências do edital não ofendiam o princípio da isonomia
entre os participantes.
Para executar o contrato, assinado por fim em 10 de janeiro
de 2003, o empreiteiro Zuleido
Veras fundou uma empresa, a
Ecosama. Um dos conselheiros
administrativos da empresa é o
engenheiro civil Josemar Ventura Esteves Martins, 66. A ata
da audiência pública do dia 4 de
setembro de 2001, que discutiu
o projeto Sanear, identifica
Martins como representante
da empresa Triunfo Participações, a única concorrente da
Gautama na licitação. Procurada, a Ecosama alegou que "houve um erro" na ata, e que Martins nunca atuou como representante da Triunfo.
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