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ELIO GASPARI
Mangabeira e o folclore da corrupção
Enquanto estiveram na oposição, o professor e Nosso Guia tocaram o bumbo da mistificação moralista
O PROFESSOR Roberto Mangabeira sabe. Quando um presidente empossa um ministro que dois anos antes chamou o seu governo de "o mais corrupto da
história nacional", a turma da ladroagem tem motivo para festejar.
Não festejará estimulada pela subjetividade vulgar dos larápios. Fará isso baseada na velha e boa bibliografia acadêmica. É de 1968 o conceito
de "folclore da corrupção", enunciado pelo economista sueco Gunnar
Myrdal, Prêmio Nobel de 1974.
Myrdal mostrou que, numa sociedade em mudança, a construção de
uma idéia imperfeita e fatalista da
extensão das roubalheiras termina
por prejudicar a moralidade pública
e os esforços de servidores
honrados.
Outro estudioso do assunto achou
um exemplo no interior da Índia. A
sabedoria convencional dizia que os
funcionários dos serviços de regularização de propriedades fundiárias
eram corruptos. Vai daí, os camponeses pagavam propinas a atravessadores que em nada interferiam na
liberação de títulos de terra. Há gente disposta a passar jabaculês para
apressar a emissão de carteiras de
identidade no Brasil, mesmo em lugares onde esse serviço funciona
perfeitamente.
Só um louco diria que em Pindorama a corrupção é um problema
folclórico, mas é certo que sem aquilo que o economista Roberto Campos chamava de "reversão das expectativas" a faxina de um governo é
algo inatingível. Se a prisão de um
compadre do presidente, de um juiz
do Superior Tribunal de Justiça, de
desembargadores e juízes é recebida
pela sociedade como um indicador
de que a roubalheira aumentou, aumentará a roubalheira.
Enquanto viveu na oposição política, na superstição econômica e na
treva administrativa, Nosso Guia,
como Mangabeira, tocou o bumbo
do folclore da corrupção. (Com proveito para ambos.) Oito anos antes
do enunciado de Myrdal, os brasileiros elegeram para a presidência da
República um bufão que tinha uma
vassoura como símbolo de campanha. Em 2002, a filha de Jânio Quadros foi à Justiça para rastrear as
contas de seu pai em bancos suíços.
Cinco anos de poder foram suficientes para que a nação petista se
acomodasse à sabedoria de um velho revolucionário chinês: "Se você
combate pouco a corrupção, destrói
o país. Se combate muito, destrói o
partido". Um presidente que não tolerasse a desonestidade intelectual
jamais poderia ter o professor Mangabeira no ministério nem uma bancada de senadores (noves fora
Eduardo Suplicy) associada à ética
de Epitácio Cafeteira.
Uma coisa é sofrer as manipulações dos senadores em benefício de
Renan Calheiros. Dói, mas não mata. Outra é olhar para o que estão fazendo e concluir que todos os parlamentares, políticos e servidores públicos são ou virão a ser bandidos.
Esse comportamento parece que
não dói, mas mata a fé do cidadão no
Estado de Direito.
O folclore da corrupção é um
grande negócio, para os corruptos.
SERVIÇO: Quase todas as idéias deste artigo saíram do livro "Corruption by Design
-Building Clean Government in Mainland
China and Hong Kong" (Corrupção como
Projeto - Construindo Governos Limpos na
China e em Hong Kong), da professora Melanie Manion. Para conforto de Mangabeira, a
editora é a Harvard University Press.
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