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Obra gera conflito entre índios tremembés
No interior do Ceará, construção de complexo hoteleiro faz indígenas que trabalham no empreendimento negar origem
Enquanto isso, índios
contrários à obra lutam pela
demarcação da terra, que
está perto de acontecer, diz
chefe da Funai no Estado
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM ITAPIPOCA
Uma disputa por terras no litoral do Ceará causou um conflito entre índios tremembés de
uma mesma aldeia, já reconhecidos pela Funai, e está fazendo
com que parte deles renegue
sua própria origem e apóie um
grupo empresarial que quer
construir um complexo turístico bilionário na região.
Das 160 famílias tremembés
que vivem nos vilarejos de São
José e Buriti, em Itapipoca (a
cerca de 150 km de Fortaleza),
60 dizem que seus antepassados nunca foram índios.
Por coincidência ou não, essas famílias passaram a trabalhar, desde 2003, para o grupo
espanhol que quer instalar na
área o complexo Nova Atlântida, que prevê a construção de
28 hotéis de luxo, além de condomínios residenciais para estrangeiros e campos de golfe
-tomando 3.200 hectares de
praia. O investimento é estimado em ao menos R$ 1 bilhão.
Entre os contrários à obra, há
a convicção de que os antepassados, e eles mesmos, são índios, e a esperança de que a terra seja demarcada. Segundo o
chefe da Funai no Ceará, o processo está perto de começar.
A discórdia entre os tremembés ocorre dentro das próprias
famílias. Um exemplo, semelhante ao de várias famílias ouvidas pela Folha: nenhum dos
cinco irmãos de Maria Rosemeire dos Santos Silva, 43, fala
mais com ela. Analfabeta e mãe
de seis filhos, Maria diz que
tem orgulho de ser tremembé e
que vai lutar pelo que é de seu
povo. O resto da família, inclusive seu pai, renegam a origem
e apóiam o complexo turístico.
As duas comunidades são pobres. Não têm energia elétrica
nem água encanada. As fontes
de sobrevivência são a agricultura e a pesca. A maioria delas é
ajudada pelo Bolsa Família.
Apesar de já ter sido reconhecido como povo indígena,
os tremembés de Itapipoca
ainda não contam com um programa de saúde da Funasa.
Para a indigenista Maria
Amélia Leite, 76, que trabalha
com índios há 45 anos, com o
início do programa de saúde indígena, que inclui saneamento
básico e distribuição de remédios, muitos vão mudar de lado.
O início do levantamento cadastral da área já deveria ter
começado, diz Oliveira, mas,
devido ao conflito, a Funasa espera contar com o apoio da PF.
Entre os que apóiam a empresa, os argumentos são pragmáticos: antes, não havia emprego; agora, há. O marido, os
três filhos e os três genros de
Maria de Jesus do Nascimento,
58, trabalham na obra. Alguns
como vigia ou pedreiro. O salário de vigia é de R$ 400, alto para os padrões da comunidade.
Desde que a família começou
a trabalhar conseguiu construir uma casa de tijolos, com
piso de cerâmica, o que não é
visto na maioria das casas.
Representante do empreendimento, o advogado Felipe
Abelleira disse que desde o século 18 há registros públicos de
que as terras são propriedade
privada. Ele diz que o pai dele
comprou as terras em 1979.
A Secretaria do Meio Ambiente autorizou a obra, mas liminar da Justiça Federal a suspendeu. Sem poder construir,
empresários fazem um viveiro
de frutas para manter a posse.
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