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JANIO DE FREITAS
Marginais das crateras
A cratera na relação pervertida entre empreiteiras e poderes públicos vem antes dos aspectos técnicos e geológicos
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AINDA QUE as perícias venham
a encontrá-las, não foram falhas técnicas ou más condições geológicas que deram origem
ao desmoronamento na obra do metrô de São Paulo. A primeira e principal causa é a relação infecciosa que
as grandes empreiteiras há décadas
mantêm com os poderes públicos e
já transmitiram a alto número das
construtoras de porte menor.
Nem mesmo certas obras grandes
do Judiciário ficam imunes à perversão. O caso do Tribunal Regional
do Trabalho de São Paulo, que até
hoje freqüenta o noticiário com fatos espasmódicos (há pouco, uma
ordem de prisão do empreiteiro e
senador cassado Luis Estevão), é o
mais notório deles. Antes deste, aqui
mesmo fora provado, com a publicação antecipada e disfarçada do nome
da empreiteira vencedora, o comprometimento da licitação para o
Tribunal de Justiça do Rio.
O caso do TRT-SP talvez seja o
único, dentre as tantas concorrências e contratações que se tornaram
escândalos, a resultar nas conseqüências previstas pela legislação
criminal e administrativa. O que se
deveu à coragem e à persistência invencíveis de três mulheres, procuradoras da República -Maria Luiza
Duarte, Isabel Groba e Janice Ascari. Entre o retorno ao regime civil e
os primeiros anos 90, no entanto, a
Folha publicou aqui dezenas de resultados antecipados de licitações
corrompidas, com o comprometimento de governo federal, vários
governos estaduais e prefeituras.
Além de revelar à opinião pública
um sistema gigantesco de assalto
aos cofres públicos -motivação estrita das publicações, que os desdobramentos não são atribuições do
jornalismo-, o único efeito prático
de tantas revelações foi o cancelamento de uma quantidade razoável
de contratações corruptas de
obras, poupando-se numerosos bilhões ao erário, ou seja, aos bolsos
da população. Algumas dessas
obras canceladas nunca voltaram a
ser consideradas, e assim ficou evidente sua desnecessidade, ou seu
objetivo só de proporcionar grandes ganhos partilhados entre envolvidos de todos os lados. Caso,
por exemplo, de um tal Complexo
Marajoara, que, a pretexto de abastecimento de água, sugaria US$ 2
bilhões do dinheiro público para
empreiteiras e seus comparsas.
Esses fatos demonstram a ascendência adquirida pelas empreiteiras de obras sobre grande parte da
administração pública e, pelos
mesmos ou por métodos mais diretos, sobre grande número de parlamentares (com a inexistência de
grandes obras desde o governo Collor, as empreiteiras mais ricas ampliaram o círculo de suas atividades
empresariais, tanto em gênero como na expansão pelo mundo). É a
ascendência originada nas relações
depravadas que se percebe como
antecedente dos prováveis erros
técnicos na tragédia do metrô paulistano.
Nada poderá justificar que o consórcio das gigantes Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão esteja
contratado pelo governo paulista
(no mandato de Geraldo Alckmin)
para realizar a obra e ser o próprio
incumbido de fiscalizá-la e fiscalizar-se. O corpo técnico disponível
no governo paulista é tão habilitado quanto o das empreiteiras. E recebe vencimentos para a tarefa fiscalizadora que está entregue e é paga ao consórcio.
Nada poderá justificar a deliberada passividade do governo paulista
diante dos 11 desastres anteriores,
inclusive com morte, na mesma
obra que agora fez a tragédia da
marginal Pinheiros. A intervenção
do contratante, dado o seu dever de
zelar pela segurança dos futuros
usuários, era obrigação absolutamente indispensável e intransferível. E inadiável desde o primeiro
desastre, para repassar os estudos
determinantes das características
técnicas.
O contrato entre o governo paulista e o consórcio cerca-se ainda
mais de estranhezas, ou suspeições, quando se verifica que as
mesmas empreiteiras, sob outra
configuração jurídica, já estão contratadas para serem as privilegiadas operadoras da linha ainda em
construção.
Os inquéritos da tragédia do metrô não deveriam limitar-se aos aspectos técnicos e geológicos. A cratera nas relações pervertidas entre
empreiteiras e poderes públicos no
Brasil vem antes daqueles aspectos. É muito, muito maior, e não está apenas na marginal Pinheiros.
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