São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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JANIO DE FREITAS

Marginais das crateras


A cratera na relação pervertida entre empreiteiras e poderes públicos vem antes dos aspectos técnicos e geológicos

AINDA QUE as perícias venham a encontrá-las, não foram falhas técnicas ou más condições geológicas que deram origem ao desmoronamento na obra do metrô de São Paulo. A primeira e principal causa é a relação infecciosa que as grandes empreiteiras há décadas mantêm com os poderes públicos e já transmitiram a alto número das construtoras de porte menor.
Nem mesmo certas obras grandes do Judiciário ficam imunes à perversão. O caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, que até hoje freqüenta o noticiário com fatos espasmódicos (há pouco, uma ordem de prisão do empreiteiro e senador cassado Luis Estevão), é o mais notório deles. Antes deste, aqui mesmo fora provado, com a publicação antecipada e disfarçada do nome da empreiteira vencedora, o comprometimento da licitação para o Tribunal de Justiça do Rio.
O caso do TRT-SP talvez seja o único, dentre as tantas concorrências e contratações que se tornaram escândalos, a resultar nas conseqüências previstas pela legislação criminal e administrativa. O que se deveu à coragem e à persistência invencíveis de três mulheres, procuradoras da República -Maria Luiza Duarte, Isabel Groba e Janice Ascari. Entre o retorno ao regime civil e os primeiros anos 90, no entanto, a Folha publicou aqui dezenas de resultados antecipados de licitações corrompidas, com o comprometimento de governo federal, vários governos estaduais e prefeituras.
Além de revelar à opinião pública um sistema gigantesco de assalto aos cofres públicos -motivação estrita das publicações, que os desdobramentos não são atribuições do jornalismo-, o único efeito prático de tantas revelações foi o cancelamento de uma quantidade razoável de contratações corruptas de obras, poupando-se numerosos bilhões ao erário, ou seja, aos bolsos da população. Algumas dessas obras canceladas nunca voltaram a ser consideradas, e assim ficou evidente sua desnecessidade, ou seu objetivo só de proporcionar grandes ganhos partilhados entre envolvidos de todos os lados. Caso, por exemplo, de um tal Complexo Marajoara, que, a pretexto de abastecimento de água, sugaria US$ 2 bilhões do dinheiro público para empreiteiras e seus comparsas.
Esses fatos demonstram a ascendência adquirida pelas empreiteiras de obras sobre grande parte da administração pública e, pelos mesmos ou por métodos mais diretos, sobre grande número de parlamentares (com a inexistência de grandes obras desde o governo Collor, as empreiteiras mais ricas ampliaram o círculo de suas atividades empresariais, tanto em gênero como na expansão pelo mundo). É a ascendência originada nas relações depravadas que se percebe como antecedente dos prováveis erros técnicos na tragédia do metrô paulistano.
Nada poderá justificar que o consórcio das gigantes Camargo Corrêa, Odebrecht, OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão esteja contratado pelo governo paulista (no mandato de Geraldo Alckmin) para realizar a obra e ser o próprio incumbido de fiscalizá-la e fiscalizar-se. O corpo técnico disponível no governo paulista é tão habilitado quanto o das empreiteiras. E recebe vencimentos para a tarefa fiscalizadora que está entregue e é paga ao consórcio.
Nada poderá justificar a deliberada passividade do governo paulista diante dos 11 desastres anteriores, inclusive com morte, na mesma obra que agora fez a tragédia da marginal Pinheiros. A intervenção do contratante, dado o seu dever de zelar pela segurança dos futuros usuários, era obrigação absolutamente indispensável e intransferível. E inadiável desde o primeiro desastre, para repassar os estudos determinantes das características técnicas.
O contrato entre o governo paulista e o consórcio cerca-se ainda mais de estranhezas, ou suspeições, quando se verifica que as mesmas empreiteiras, sob outra configuração jurídica, já estão contratadas para serem as privilegiadas operadoras da linha ainda em construção.
Os inquéritos da tragédia do metrô não deveriam limitar-se aos aspectos técnicos e geológicos. A cratera nas relações pervertidas entre empreiteiras e poderes públicos no Brasil vem antes daqueles aspectos. É muito, muito maior, e não está apenas na marginal Pinheiros.


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