São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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SOMBRA NO PLANALTO

Fortalecidos por caso Waldomiro, aliados querem neutralidade eleitoral de Lula e menos MPs

Dirceu se refugia em ACM e Sarney, que cobram fatura

FERNANDO RODRIGUES
KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Além de cargos e verbas federais, a exigência de neutralidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições municipais de outubro e a diminuição da edição de MPs (medidas provisórias) fazem parte da fatura política que José Sarney e Antonio Carlos Magalhães cobram para abafar a crise do caso Waldomiro Diniz.
Essas demandas foram apresentadas ao ministro José Dirceu (Casa Civil) por Sarney, presidente do Senado e principal aliado do governo no PMDB, e por ACM, cacique do PFL que controla uma espécie de porção governista da legenda. Na quinta-feira à noite, Sarney patrocinou um discreto coquetel com Dirceu e poucos senadores na sua casa particular no Lago Sul, próxima à residência oficial do Senado.
"O que pode melhorar na relação do governo com o Congresso?", indagou Dirceu. De imediato, Sarney reclamou das nove medidas provisórias que fazem pesar a pauta do Senado. O peemedebista, que nomeará um apadrinhado para a Eletrobras, reclamou que estava ficando muito ruim para a sua imagem resolver tantos problemas do governo. Sugeriu que menos MPs tornariam sua vida mais fácil, apesar de serem um método eficaz e poderoso do poder presidencial. Com menos MPs, Lula perde força.
Presentes, os senadores ACM, Rodolpho Tourinho (PFL-BA), Roseana Sarney (PFL-MA) e Eduardo Siqueira Campos (PSDB-TO) apoiaram Sarney. Dirceu mostrou concordância com o pleito e prometeu falar com o presidente. "Um assunto importante foi a necessidade de o presidente se comportar com neutralidade, como um magistrado, na eleição, para não aumentar a instabilidade política", relata Siqueira Campos, segundo vice-presidente do Senado.
Recusando-se a dar detalhes, Campos afirma que o encontro foi "muito bom" e um sinal de que o governo terá "uma visão mais pluripartidária de sua ação no Congresso". ACM não comentou a reunião. A assessoria de Dirceu diz que Sarney quis dar um abraço no ministro, que completou 58 anos na terça, dia 17.
Mas a Folha apurou que foi o senador baiano quem falou claramente com Dirceu sobre a "neutralidade" do governo nas eleições municipais. Diretamente interessado em manter seu esquema político como o maior da Bahia, ACM delimitou território.
A cobrança por um Lula "magistrado" é um pedido para que o governo federal não ajude a candidatura do petista Nelson Pellegrino a prefeito de Salvador. Pela dependência de aliados fisiológicos para a governabilidade de Lula pós-caso Waldomiro, o pefelista terá sucesso na empreitada, que interessa a Sarney, cujo clã domina o Maranhão há três décadas.

Guinada à direita
Desde o começo da crise do caso Waldomiro, Dirceu correu para os braços de Sarney e ACM para ficar no cargo e evitar a criação de uma CPI no Senado. O "Waldogate" estourou no dia 13 de fevereiro, data dos 24 anos de fundação do PT. Nesse dia, a revista "Época" revelou vídeo gravado que mostra Waldomiro pedindo propina e contribuição de campanha a um empresário do ramo de loterias eletrônicas. Na época, Waldomiro presidia a Loterj (Loteria do Estado do Rio de Janeiro), no governo Benedita da Silva (PT). Em 2003, Dirceu o nomeou subchefe de Assuntos Parlamentares do Planalto, cargo do qual foi demitido "a pedido".
Atingido diretamente pelo caso Waldomiro, Dirceu buscou socorro em Sarney e ACM. No dia 15 de fevereiro, um domingo, foi de manhã à casa do presidente do Senado no bairro Lago Sul. No mesmo dia, conversava com ACM por intermédio do advogado Antonio Carlos de Almeida Castro, espécie de primeiro-amigo de Dirceu em Brasília e antigo conselheiro e advogado do pefelista baiano.
Na segunda, dia 16, Dirceu colocou o cargo à disposição do presidente, numa reunião da cúpula do governo no Planalto. No início da noite do mesmo dia, foi à residência de ACM, também no Lago Sul, ouvir conselhos e armar a estratégia para tentar barrar a CPI. Sem as assinaturas de senadores do PMDB e de parte da bancada do PFL, a investigação congressual não teria como prosperar.
Desde a primeira semana do "Waldogate", Sarney e ACM jogam papéis centrais. Na última segunda, dia 16, véspera do aniversário de 58 anos, o ministro da Casa Civil recebeu uma discreta visita. Já passava das 21h quando ACM voltou a pisar no quarto andar do Palácio do Planalto, bem em cima do gabinete de Lula, onde fica a poderosa Casa Civil. Simbolicamente, a visita de ACM marca a ressurreição de um político que o PT e o próprio Dirceu combateram ferozmente e que estava apagado desde que renunciou ao mandato de Senado em 2001 no conhecido escândalo da violação do sigilo do painel eletrônico de votação da Casa.
Apesar de não ter sido abordada no encontro de quinta, uma ida de Dirceu ao Senado para falar do caso Waldomiro Diniz está sendo estudada pelo ministro, por Sarney e por ACM.


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