São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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OPERAÇÕES SECRETAS
Militar diz que coronel o chamou para ações que favorecessem Collor em 89
Oficial é acusado de tramar atentados

TONI SCIARRETTA
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 1989, oficiais do Batalhão de Forças Especiais do Exército, tropa de elite das Forças Armadas brasileiras, foram convocados para participar de atentados a bancas de jornais do Rio.
O objetivo das ações era tumultuar o cenário político para evitar uma vitória do candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, que concorria com o candidato do PRN, Fernando Collor de Mello.
A afirmação é do ex-capitão do Exército Dalton de Melo Franco, 38, que durante oito anos -entre 1986 e 1994- serviu no Batalhão de Forças Especiais.
Melo Franco, que atualmente responde na Justiça Militar a um processo por furto de munição, diz ter sido convocado em outubro de 1989 pelo então coronel Álvaro Pinheiro -hoje general e diretor de Avaliação do Exército- para comandar os atentados.
A operação, de acordo com o ex-capitão, seria de conhecimento dos superiores do coronel Álvaro Pinheiro. O Batalhão de Forças Especiais era, à época, diretamente ligado ao gabinete do então ministro do Exército, general Leônidas Pires Gonçalves.
Procurados pela Folha, nenhum dos militares citados pelo ex-capitão respondeu à reportagem.
O CML (Comando Militar do Leste) não autorizou entrevista do hoje general Álvaro Pinheiro, superior imediato do ex-capitão no Batalhão de Forças Especiais.
A Folha telefonou seis vezes para a casa do ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves, entre as 11h30 e as 20h30 da sexta-feira. Em todas as ligações, a reportagem foi informada de que o general não estava.
"O coronel sempre respeitou a hierarquia. Uma ordem daquelas não seria dada sem que tivesse sido passada por seus superiores", afirma Melo Franco.
O ex-capitão diz que a avaliação do Exército, na época, era que o então candidato Fernando Collor de Mello não teria condições de vencer Lula no segundo turno.
Setores do Exército teriam decidido criar um clima de instabilidade para que o eleitores ainda indecisos optassem por Collor.
""Não se aceitava no Exército a idéia de bater continência para o Lula. Qual seria a forma de fazer os indecisos se voltarem para o Collor? Mostrar uma radicalização. Explodem-se bancas de revista de madrugada... Não causa a morte de ninguém", conta o ex-capitão.
Dalton de Melo Franco afirma que foi convocado verbalmente pelo então coronel Álvaro Pinheiro para comandar os atentados. Como discordava da missão, ele diz ter pedido a ordem por escrito. "Era uma operação irregular, e a ordem nunca viria por escrito."
E não veio. Pouco depois do primeiro turno das eleições presidenciais -em 15 de novembro-, algumas explosões aconteceram em bancas do centro do Rio, mas Melo Franco diz não ter participado dessas ações.
O então secretário estadual de Polícia Civil do Rio, Hélio Saboya, disse à Folha lembrar de poucos atentados. "Deve ter ocorrido em uma ou duas bancas e sem resultado trágico. Foi determinada a investigação, mas é um tipo de crime de difícil apuração. É claro que havia ali qualquer coisa relacionada com reação política, não se explode uma banca de jornal sem motivo", afirmou o ex-secretário.
Melo Franco diz não saber quem foi o responsável pelas explosões. "O Batalhão de Forças Especiais era composto por poucas pessoas (12 oficiais e sete sargentos). E cada um desses elementos tem personalidades diferentes. Da mesma forma que eu fui radicalmente contra -e aí eu vou até o inferno atrás-, outros eram a favor. A gente aprende nas Forças Especiais a não falar muito, a ser sempre reservado. Para não criar documentos contra você mesmo, contra a sua família. Minha família nunca soube das operações que eu estava fazendo. Noventa e nove por cento dos Forças Especiais, eu tenho certeza, fazem isso."
As declarações do ex-capitão não se restringem à área política.
Ele afirma que, infiltrados, componentes das Forças Especiais enfrentaram traficantes do Rio de Janeiro.
Encarregados de, no final dos anos 80, fazer um levantamento de informações sobre o tráfico no Rio, as Forças Especiais teriam subido os morros cariocas. Subiam armados, durante a madrugada, com máscaras nos rostos -como se fossem quadrilhas invadindo uma área rival.
As Forças Especiais envolveram-se também, de acordo com o ex-capitão, com a morte do traficante Antônio José Nicolau, o Toninho Turco, em fevereiro de 1989, na ação policial conhecida como "Operação Mosaico".
A "Mosaico" foi também o início de uma estreita colaboração, de acordo com o ex-capitão, entre o Batalhão de Forças Especiais e os banqueiros do jogo do bicho.
Incomodados com o crescimento dos negócios de Toninho Turco, o que estaria atrapalhando o movimento do bicho, os banqueiros teriam começado a passar informações para as Forças Especiais.
A "estreita colaboração" evoluiu, de acordo com Melo Franco, para o empréstimo, pelos bicheiros, de munição para operações irregulares -como a explosão, em maio de 1989, do monumento em homenagem aos três operários mortos na invasão do Exército na usina da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em Volta Redonda(RJ), em novembro de 1988, e dos atentados às bancas de jornais.


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