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OPERAÇÕES SECRETAS
Militar diz que coronel o chamou para ações que favorecessem Collor em 89
Oficial é acusado de tramar atentados
TONI SCIARRETTA
CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio
Entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de
1989, oficiais do Batalhão de Forças Especiais do Exército, tropa de
elite das Forças Armadas brasileiras, foram convocados para participar de atentados a bancas de jornais do Rio.
O objetivo das ações era tumultuar o cenário político para evitar
uma vitória do candidato do PT,
Luiz Inácio Lula da Silva, que concorria com o candidato do PRN,
Fernando Collor de Mello.
A afirmação é do ex-capitão do
Exército Dalton de Melo Franco,
38, que durante oito anos -entre
1986 e 1994- serviu no Batalhão
de Forças Especiais.
Melo Franco, que atualmente
responde na Justiça Militar a um
processo por furto de munição, diz
ter sido convocado em outubro de
1989 pelo então coronel Álvaro Pinheiro -hoje general e diretor de
Avaliação do Exército- para comandar os atentados.
A operação, de acordo com o ex-capitão, seria de conhecimento
dos superiores do coronel Álvaro
Pinheiro. O Batalhão de Forças Especiais era, à época, diretamente ligado ao gabinete do então ministro do Exército, general Leônidas
Pires Gonçalves.
Procurados pela Folha, nenhum
dos militares citados pelo ex-capitão respondeu à reportagem.
O CML (Comando Militar do
Leste) não autorizou entrevista do
hoje general Álvaro Pinheiro, superior imediato do ex-capitão no
Batalhão de Forças Especiais.
A Folha telefonou seis vezes para
a casa do ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves, entre as 11h30 e as
20h30 da sexta-feira. Em todas as
ligações, a reportagem foi informada de que o general não estava.
"O coronel sempre respeitou a
hierarquia. Uma ordem daquelas
não seria dada sem que tivesse sido
passada por seus superiores", afirma Melo Franco.
O ex-capitão diz que a avaliação
do Exército, na época, era que o
então candidato Fernando Collor
de Mello não teria condições de
vencer Lula no segundo turno.
Setores do Exército teriam decidido criar um clima de instabilidade para que o eleitores ainda indecisos optassem por Collor.
""Não se aceitava no Exército a
idéia de bater continência para o
Lula. Qual seria a forma de fazer os
indecisos se voltarem para o Collor? Mostrar uma radicalização.
Explodem-se bancas de revista de
madrugada... Não causa a morte
de ninguém", conta o ex-capitão.
Dalton de Melo Franco afirma
que foi convocado verbalmente
pelo então coronel Álvaro Pinheiro para comandar os atentados.
Como discordava da missão, ele
diz ter pedido a ordem por escrito.
"Era uma operação irregular, e a
ordem nunca viria por escrito."
E não veio. Pouco depois do primeiro turno das eleições presidenciais -em 15 de novembro-, algumas explosões aconteceram em
bancas do centro do Rio, mas Melo
Franco diz não ter participado dessas ações.
O então secretário estadual de
Polícia Civil do Rio, Hélio Saboya,
disse à Folha lembrar de poucos
atentados. "Deve ter ocorrido em
uma ou duas bancas e sem resultado trágico. Foi determinada a investigação, mas é um tipo de crime
de difícil apuração. É claro que havia ali qualquer coisa relacionada
com reação política, não se explode uma banca de jornal sem motivo", afirmou o ex-secretário.
Melo Franco diz não saber quem
foi o responsável pelas explosões.
"O Batalhão de Forças Especiais
era composto por poucas pessoas
(12 oficiais e sete sargentos). E cada
um desses elementos tem personalidades diferentes. Da mesma forma que eu fui radicalmente contra
-e aí eu vou até o inferno atrás-,
outros eram a favor. A gente
aprende nas Forças Especiais a não
falar muito, a ser sempre reservado. Para não criar documentos
contra você mesmo, contra a sua
família. Minha família nunca soube das operações que eu estava fazendo. Noventa e nove por cento
dos Forças Especiais, eu tenho certeza, fazem isso."
As declarações do ex-capitão não
se restringem à área política.
Ele afirma que, infiltrados, componentes das Forças Especiais enfrentaram traficantes do Rio de Janeiro.
Encarregados de, no final dos
anos 80, fazer um levantamento de
informações sobre o tráfico no
Rio, as Forças Especiais teriam subido os morros cariocas. Subiam
armados, durante a madrugada,
com máscaras nos rostos -como
se fossem quadrilhas invadindo
uma área rival.
As Forças Especiais envolveram-se também, de acordo com o ex-capitão, com a morte do traficante
Antônio José Nicolau, o Toninho
Turco, em fevereiro de 1989, na
ação policial conhecida como
"Operação Mosaico".
A "Mosaico" foi também o início
de uma estreita colaboração, de
acordo com o ex-capitão, entre o
Batalhão de Forças Especiais e os
banqueiros do jogo do bicho.
Incomodados com o crescimento dos negócios de Toninho Turco,
o que estaria atrapalhando o movimento do bicho, os banqueiros teriam começado a passar informações para as Forças Especiais.
A "estreita colaboração" evoluiu,
de acordo com Melo Franco, para
o empréstimo, pelos bicheiros, de
munição para operações irregulares -como a explosão, em maio
de 1989, do monumento em homenagem aos três operários mortos
na invasão do Exército na usina da
CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em Volta Redonda(RJ),
em novembro de 1988, e dos atentados às bancas de jornais.
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