São Paulo, terça, 21 de abril de 1998

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PERSONALIDADE
Em troca de cargos e de liberação de verbas, Motta ajudou na aprovação de vários projetos de FHC
Ministro liderava barganhas do governo

FERNANDO RODRIGUES
LUCIO VAZ
da Sucursal de Brasília

Sérgio Motta desempenhou para o presidente FHC o papel de coordenador das trocas de favores entre o governo federal e os parlamentares no Congresso.
O presidente ficou sem substituto para exercer essa função. Não há disponível para FHC alguém que seja seu amigo íntimo e com a mesma ascendência que Motta tinha sobre os demais ministros.
Ministro, amigo e sócio de FHC em um empreendimento agropecuário, Motta dava a entender que tinha acesso ilimitado no Palácio do Planalto. Uma vez, conversando com um dos líderes governistas, segundo a Folha apurou, disse: "80% das coisas que eu falo são em nome do presidente. 20% são por minha conta. Como ninguém sabe quais são os meus 20%, cumprem tudo o que eu digo".
Em troca de cargos e liberação de verbas do Orçamento, Motta conseguiu que o Congresso aprovasse os principais projetos dos três primeiros anos do governo FHC: emenda da reeleição, reformas constitucionais em geral e a eleição do presidente da Câmara.
Meticuloso, Motta anotava tudo aquilo que concedia aos parlamentares em cadernos escolares. Guardava pessoalmente essas anotações. Segundo a Folha apurou, pelo menos um ministro de Estado tem cópia desses registros.
Sua atuação foi marcante logo no início do governo FHC, quando distribuiu os principais cargos das empresas de telecomunicações estaduais para pessoas indicadas por aliados no Congresso.
As teles de Rio, São Paulo e Minas Gerais foram entregues ao PSDB. Empresas de importância menor, como a Telern (RN), Motta ofertava a políticos locais: essa tele ficou com Garibaldi Alves, pai do governador daquele Estado, Garibaldi Alves Filho.
Em Santa Catarina, a presidência da Telesc ficou com Victor Konder Reis, irmão do ex-governador Antônio Carlos Konder Reis e primo do presidente nacional do PFL, Jorge Bornhausen. Essa disputa pelas teles se deu em 95, primeiro ano do mandato de FHC.
Monopólio do petróleo
O loteamento de cargos deslanchou logo após a aprovação da emenda constitucional que quebrou o monopólio estatal da exploração de petróleo.
Sérgio Motta, apesar de ocupar a pasta das Comunicações, sempre participava das reuniões com os líderes governistas no Congresso.
"O Sérgio Motta era o "air-bag' do governo. Era o único que decidia a questão das emendas. Ele chamava o ministro do Planejamento e o presidente da CEF e mandava atender os deputados", diz o líder do PTB na Câmara, Paulo Heslander (MG).
Para quebrar o monopólio do petróleo, Motta recebeu os líderes do PP e do PTB no ministério e prometeu liberar os cargos nas teles a partir de 4 de julho de 95. Em agosto, tudo foi resolvido.
Reeleição
Motta foi também o principal articulador da emenda da reeleição, junto com então deputado federal Eliseu Padilha (PMDB-RS).
Padilha foi depois recompensado com o cargo de ministro dos Transportes. Hoje é conhecido como o "Serjão do PMDB".
Até quase a véspera da votação em primeiro turno da emenda da reeleição, em 28 de janeiro de 97, o governo não tinha certeza de vitória. Padilha e Motta apresentavam os pedidos dos deputados e diziam como fazer para atendê-los.
Em uma dessas reuniões, o então presidente da Câmara, Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), e o líder Inocêncio Oliveira (PFL-PE) demonstraram desconforto com os métodos de cooptação de Padilha e Serjão. O ministro se irritou e chamou-os de "freiras do PFL".
A emenda foi votada, aprovada com folga e outros detalhes da história só apareceram alguns meses depois, em maio. Os deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, revelaram que tinham vendido seus votos a favor da emenda da reeleição por R$ 200 mil em dinheiro.
Os compradores dos votos, segundo esses dois deputados, teriam sido os governadores do Acre, Orleir Cameli, e do Amazonas, Amazonino Mendes -ambos também do PFL. Esses governadores teriam agido em conformidade com o ministro Motta.
Ronivon e Maia renunciaram aos seus mandatos para fugir da cassação. Motta e os governadores negaram qualquer envolvimento. A Câmara não quis abrir uma CPI para investigar o caso.
Depois desse episódio da compra de votos, Motta passou por um período de quarentena. Mas nunca deixou de se envolver nas negociações do governo. Fez apenas de forma mais reservada.
Presidência da Câmara
Antes que estourasse o escândalo da compra de votos, Motta teve tempo ainda para cumprir uma parte daquilo que havia acertado antes da aprovação da emenda da reeleição: a eleição de Michel Temer (PMDB-SP) para presidente da Câmara dos Deputados.
Ativo em todas as reuniões preparatórias, nas quais se fazia o levantamento de votos a favor, Motta se dispunha a falar pessoalmente com os deputados. Coordenou o primeiro encontro oficial do comando da campanha de Temer.
Em fevereiro de 97, antes da eleição de Temer, o ministro declarou: "Temos 341 deputados a favor. É até bom diminuir essa conta. O Temer não pode ter mais votos que o presidente".
Motta se referia à votação da emenda da reeleição, que obteve 336 votos a favor. Temer obteve apenas 257, mas foi eleito.
Dinheiro de campanha
Motta também era um dos coordenadores informais da parte financeira das campanhas de FHC. Isso sempre era negado por ele e aliados próximos. Em reserva, entretanto, segundo a Folha apurou, muitos políticos confirmam essa atuação do ministro.
Há controvérsia entre os aliados a respeito do efeito que terá a morte de Motta sobre as finanças das campanhas eleitorais tucanas.
O argumento que prevalece, segundo a Folha apurou, é que as finanças da campanha de FHC não sofrerão com a perda de Motta. O presidente é o candidato favorito nas pesquisas de opinião. As doações de dinheiro, nesses casos, chegam naturalmente.
Já os candidatos a deputado estadual e federal devem sofrer mais sem Motta, pois ele já havia encaminhado os apoios em cada Estado. Sem ele para essa tarefa, o PSDB não sabe ainda como distribuir os recursos que cairão no caixa da coligação que apoiará FHC.



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