São Paulo, quinta-feira, 21 de setembro de 2000

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CELSO PINTO
A agenda para a próxima crise

A reunião anual do FMI e do Banco Mundial, que começa esta semana em Praga, deve gerar muito barulho nas ruas contra a globalização, mas poucas decisões que avancem a agenda de como lidar com os perigos da globalização financeira. Desde as últimas crises da Ásia, da Rússia e do Brasil, aumentou muito a gritaria sobre a globalização, mas, ironicamente, murchou o ímpeto reformista que pretendia erigir uma "nova arquitetura financeira mundial".
Longe de levar a um novo Bretton Woods, como alguns chegaram a imaginar, a nova arquitetura ficou mais do tamanho de uma decoração de interiores. A questão central colocada pelas crises foi o que fazer para evitar crises e, se elas ocorrerem, como evitar que arrastem países "inocentes", com bons fundamentos econômicos.
Boa parte da discussão, na verdade, se concentrou mais sobre o que não fazer. O FMI foi acusado de ter despejado bilhões de dólares nestas crises para ajudar o setor privado, principalmente os bancos, a se safar com poucas perdas. A resposta, desenhada pelos americanos, será encolher o FMI, encurtando o prazo e aumentando o custo dos seus empréstimos.
Existem propostas ainda mais radicais na mesa, de um desmanche do fundo, mas não é provável que prosperem a curto prazo. O cenário futuro mais provável, na visão de um participante ativo das discussões, será ter três acessos diferenciados ao dinheiro do FMI. Em situações de crise ampla, os países "inocentes" teriam acesso automático, ou quase, à nova linha de crédito contingente, desde que avancem as propostas para torná-la mais flexível e mais barata. Os países "azarados mas virtuosos" iriam para programas tradicionais ("stand-by") do FMI. Países azarados e pouco virtuosos só receberiam recursos em programas onde ficasse clara uma co-participação do setor privado.
Como? Uma forma é introduzir cláusulas nos bônus internacionais que facilitem sua renegociação. Outra, seria uma maior tolerância do FMI com moratórias "ordenadas".
Daniel Gleizer, diretor da Área Externa do Banco Central, tem acompanhado a discussão em vários foros, inclusive no G-20 (que reúne os principais países emergentes). Sua sensação é que, amainada a crise, passou a haver uma certa complacência na discussão.
O G-7, o grupo dos países mais ricos, continua dividido em relação a como envolver o setor privado. A Alemanha quer fixar regras claras de reação a crises. O setor privado endossa. Saber as regras de antemão permite precificar melhor o risco. Os Estados Unidos, ao contrário, preferem soluções caso a caso. O Brasil concorda, mas quer o FMI sempre tomando a iniciativa em crises. Gleizer acha que a presença do FMI nas crises recentes ajudou a manter um fluxo de recursos e, portanto, a reduzir a volatilidade.
Duas outras formas de atuar na prevenção das crises, discutidas no G-20 e na reunião do FMI, são aumentar a transparência e intensificar a aplicação de "códigos e padrões". São ao todo 67 códigos e padrões para diversas áreas. Como diz Gleizer, é uma tentativa de substituir as tradicionais condicionalidades do FMI em empréstimos, por um sistema mais permanente de monitoramento. Vão das políticas monetária e fiscal à supervisão bancária.
É, também, uma forma indireta de ampliar o conceito do que são "bons fundamentos" para avaliar um país. A armadilha é julgar a partir de critérios muito rígidos. E tudo o que o Brasil não quer é que se aplique um sistema de classificação formal de países pelo fundo: qualquer mudança de avaliação poderia gerar fortes ruídos no mercado.
Todos estes temas estiveram presentes na reunião a nível técnico do G-20, há duas semanas, em Toronto, preparatória para a reunião ministerial, em Montreal, dia 20 de outubro. Mais um tema, introduzido pelos canadenses: uma avaliação dos efeitos da globalização. Entre as duas reuniões, haverá o encontro do G-7 na reunião do FMI de Praga.
Cinco países dão o tom no G-20: Brasil, México, Argentina, China e África do Sul. Ainda está em aberto, contudo, saber o quanto o G-20 poderá influir no G-7 (e, indiretamente, no FMI), ou se será visto apenas como um legitimador das decisões dos países ricos.
O Brasil, por via das dúvidas, resolveu colocar em prática sua própria agenda pós-crise, diz Gleizer. Melhorou os fundamentos monetário e fiscal. Criou um sistema de câmbio flutuante (outro tema da agenda do G-20), bem sucedido em eliminar a dependência de capitais voláteis de curto prazo. Reforçou a solidez do sistema financeiro, com medidas prudenciais e regulatórias. Ampliou a transparência dos dados econômicos e financeiros. Liberou e desburocratizou a entrada de dólares, mas manteve um IOF para o curto prazo, até 90 dias.
Será suficiente para atravessar melhor a próxima crise? Difícil dizer. No mínimo, é uma situação melhor do que já foi.
CelPinto@uol.com.br


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