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CELSO PINTO
A agenda para a próxima crise
A reunião anual do FMI e do
Banco Mundial, que começa
esta semana em Praga, deve gerar
muito barulho nas ruas contra a
globalização, mas poucas decisões
que avancem a agenda de como
lidar com os perigos da globalização financeira. Desde as últimas
crises da Ásia, da Rússia e do Brasil, aumentou muito a gritaria sobre a globalização, mas, ironicamente, murchou o ímpeto reformista que pretendia erigir uma
"nova arquitetura financeira
mundial".
Longe de levar a um novo Bretton Woods, como alguns chegaram a imaginar, a nova arquitetura ficou mais do tamanho de
uma decoração de interiores. A
questão central colocada pelas crises foi o que fazer para evitar crises e, se elas ocorrerem, como evitar que arrastem países "inocentes", com bons fundamentos econômicos.
Boa parte da discussão, na verdade, se concentrou mais sobre o
que não fazer. O FMI foi acusado
de ter despejado bilhões de dólares
nestas crises para ajudar o setor
privado, principalmente os bancos, a se safar com poucas perdas.
A resposta, desenhada pelos americanos, será encolher o FMI, encurtando o prazo e aumentando o
custo dos seus empréstimos.
Existem propostas ainda mais
radicais na mesa, de um desmanche do fundo, mas não é provável
que prosperem a curto prazo. O
cenário futuro mais provável, na
visão de um participante ativo
das discussões, será ter três acessos
diferenciados ao dinheiro do FMI.
Em situações de crise ampla, os
países "inocentes" teriam acesso
automático, ou quase, à nova linha de crédito contingente, desde
que avancem as propostas para
torná-la mais flexível e mais barata. Os países "azarados mas virtuosos" iriam para programas
tradicionais ("stand-by") do FMI.
Países azarados e pouco virtuosos
só receberiam recursos em programas onde ficasse clara uma co-participação do setor privado.
Como? Uma forma é introduzir
cláusulas nos bônus internacionais que facilitem sua renegociação. Outra, seria uma maior tolerância do FMI com moratórias
"ordenadas".
Daniel Gleizer, diretor da Área
Externa do Banco Central, tem
acompanhado a discussão em vários foros, inclusive no G-20 (que
reúne os principais países emergentes). Sua sensação é que, amainada a crise, passou a haver uma
certa complacência na discussão.
O G-7, o grupo dos países mais
ricos, continua dividido em relação a como envolver o setor privado. A Alemanha quer fixar regras
claras de reação a crises. O setor
privado endossa. Saber as regras
de antemão permite precificar
melhor o risco. Os Estados Unidos,
ao contrário, preferem soluções
caso a caso. O Brasil concorda,
mas quer o FMI sempre tomando
a iniciativa em crises. Gleizer acha
que a presença do FMI nas crises
recentes ajudou a manter um fluxo de recursos e, portanto, a reduzir a volatilidade.
Duas outras formas de atuar na
prevenção das crises, discutidas
no G-20 e na reunião do FMI, são
aumentar a transparência e intensificar a aplicação de "códigos
e padrões". São ao todo 67 códigos
e padrões para diversas áreas. Como diz Gleizer, é uma tentativa de
substituir as tradicionais condicionalidades do FMI em empréstimos, por um sistema mais permanente de monitoramento. Vão das
políticas monetária e fiscal à supervisão bancária.
É, também, uma forma indireta
de ampliar o conceito do que são
"bons fundamentos" para avaliar
um país. A armadilha é julgar a
partir de critérios muito rígidos. E
tudo o que o Brasil não quer é que
se aplique um sistema de classificação formal de países pelo fundo:
qualquer mudança de avaliação
poderia gerar fortes ruídos no
mercado.
Todos estes temas estiveram
presentes na reunião a nível técnico do G-20, há duas semanas, em
Toronto, preparatória para a reunião ministerial, em Montreal,
dia 20 de outubro. Mais um tema,
introduzido pelos canadenses:
uma avaliação dos efeitos da globalização. Entre as duas reuniões,
haverá o encontro do G-7 na reunião do FMI de Praga.
Cinco países dão o tom no G-20:
Brasil, México, Argentina, China
e África do Sul. Ainda está em
aberto, contudo, saber o quanto o
G-20 poderá influir no G-7 (e, indiretamente, no FMI), ou se será
visto apenas como um legitimador das decisões dos países ricos.
O Brasil, por via das dúvidas, resolveu colocar em prática sua própria agenda pós-crise, diz Gleizer.
Melhorou os fundamentos monetário e fiscal. Criou um sistema de
câmbio flutuante (outro tema da
agenda do G-20), bem sucedido
em eliminar a dependência de capitais voláteis de curto prazo. Reforçou a solidez do sistema financeiro, com medidas prudenciais e
regulatórias. Ampliou a transparência dos dados econômicos e financeiros. Liberou e desburocratizou a entrada de dólares, mas
manteve um IOF para o curto
prazo, até 90 dias.
Será suficiente para atravessar
melhor a próxima crise? Difícil dizer. No mínimo, é uma situação
melhor do que já foi.
CelPinto@uol.com.br
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