São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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EDUCAÇÃO

Avanços na educação não aproximam pobres de ricos

População mais pobre está estudando mais, só que os mais ricos não estão parados e, por isso, também avançam, fazendo com que a estrutura de desigualdade da sociedade brasileira, quando se compara a escolaridade, permaneça inalterada

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Os avanços na educação na gestão de FHC, reconhecidos até mesmo por seus adversários, ainda não foram capazes de alterar a estrutura de desigualdade da sociedade brasileira, quando se compara a escolaridade média de ricos e pobres.
Dados tabulados a pedido da Folha pelos técnicos do IBGE Dolores Kappel e Ennio Mello mostram que a distância entre ricos e pobres não sofreu grandes alterações no período.
Em 1995, um brasileiro com mais de 10 anos de idade que fazia parte dos 20% mais ricos da população tinha, em média, seis anos a mais de estudo do que um brasileiro que se encontrava entre os 20% mais pobres. Em 1999 (ano mais recente em que é possível fazer esse cálculo), essa diferença ficou quase inalterada: 5,9 anos de estudo separavam os mais ricos dos mais pobres.
Isso se explica porque em todas as faixas de renda houve avanços no período. A população mais pobre está estudando mais, só que os mais ricos não estão parados e, por isso, também avançam, fazendo com que a distância permaneça inalterada.
O perfil do estudante universitário no Brasil antes e depois de FHC também confirma essa tese. No caso das universidades, nem mesmo o aumento significativo das matrículas foi capaz de alterar a estrutura da desigualdade.

Nível de ensino
Uma tabela elaborada por Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE, mostra que, em 1992, apenas 8,5% dos universitários vinham de famílias que pertencem aos 50% mais pobres da população. Em 1999, esse índice caiu para 6,9%, ao mesmo tempo em que a participação dos 10% mais ricos no setor aumentou de 45,6% para 48%.
Esse pequeno aumento na desigualdade no ensino superior aconteceu justamente no período em que houve uma forte expansão desse nível de ensino. De 1992 a 1999, segundo o IBGE, o número de universitários cresceu 76,2%, passando de 1,433 milhão para 2,525 milhões.
A favor do governo, pode-se argumentar que o ensino superior era tão elitizado no início da década que nem toda a elite tinha acesso completo a ele.
O ministro da Educação, Paulo Renato Souza, no cargo desde o início do governo, admite que ainda não foi desta vez que a máxima de que pobre não chega à universidade foi desmentida. Ele afirma, no entanto, que o atual governo criou as condições, ao expandir o ensino médio, para que essa situação seja alterada. Ter o ensino médio completo é condição fundamental para entrar no ensino superior.
"É verdade que os pobres ainda não chegaram às portas da universidade. Eles começam a chegar agora. O problema não é que a estrutura de ensino hoje não dê lugar aos pobres. O que acontece é que só agora eles começam a chegar ao fim do ensino médio", diz Paulo Renato.
Quanto à desigualdade verificada pela comparação dos anos de estudo dos mais pobres e dos mais ricos, o ministro afirma que ela ainda não diminuiu porque os avanços verificados no aumento da escolaridade das crianças mais pobres não surtem efeito imediato na média de toda a população.
"A mudança na média nacional de escolaridade da população é muito mais lenta do que a mudança verificada entre as crianças. Elas começaram a entrar no ensino fundamental nesse período recente e, ao longo da próxima década, quando já serão adultas, vão mudar a média de escolaridade da população brasileira", diz o ministro.

Estoque da população
Schwartzman concorda quando o ministro diz que os avanços na educação ainda não surtiram efeito na diminuição da desigualdade, principalmente quando se analisa toda a população.
"Quando analisamos a escolaridade média, é preciso levar em conta o estoque da população. Mais de 80% dos brasileiros de todas as idades estão fora da escola. Mesmo que você melhore muito a educação básica, isso vai demorar até impregnar os indicadores de toda a população. O mesmo acontece com a questão do analfabetismo. Hoje, estamos fabricando muito menos analfabetos do que no passado, mas ainda há muitos analfabetos", diz Schwartzman.
A imobilidade no que diz respeito à redução da desigualdade, no entanto, não esconde avanços da gestão de FHC. Foi no período em que ele esteve no poder que houve o maior ganho, em anos de estudo, na escolaridade da população brasileira desde o governo do general João Baptista Figueiredo (1979-1985), o último presidente do regime militar.
As Pnads (Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios) do IBGE mostram que, de 1995 (o IBGE não realizou Pnad em 1994) a 1999 (ano mais recente da pesquisa em que há esse dado), a escolaridade média dos brasileiros aumentou de 4,8 anos para 5,41, o que significa que houve um ganho médio anual de 0,15 ano no período.

Velocidade
A velocidade desse ganho na escolaridade média da população no período FHC foi maior do que a verificada nos governos Collor/ Itamar (0,07 ano de estudo por ano), Sarney (0,08 ano de estudo por ano) e Figueiredo (0,08 ano de estudo por ano).
Além de ter acelerado a escolarização da população, o período de FHC na educação apresentou também resultados significativos na diminuição da desigualdade quando se analisa apenas a faixa etária de 7 a 14 anos. Nessa faixa etária, pela Constituição, o ensino é obrigatório.
Isso aconteceu por causa da quase universalização do ensino fundamental. Segundo a Pnad de 2001, 96,5% das crianças de 7 a 14 anos estudavam no Brasil no ano passado.
Comparando os anos de 1992 com os de 1999 (ainda não é possível fazer esse cálculo com os dados de 2001), a pesquisa mostra que diminuiu significativamente a distância entre os mais ricos e os mais pobres.
A taxa de escolarização das crianças que faziam parte dos 20% mais pobres da população aumentou oito pontos percentuais (de 75% para 93%). Na outra ponta, a taxa entre as crianças mais ricas aumentou dois pontos percentuais, subindo de 97% para 99%.

Creches
Esse avanço significativo não aconteceu nos demais níveis de ensino, principalmente nos iniciais e finais. Entre as crianças de 0 a 6 anos, que frequentam creches e pré-escolas, e entre os estudantes de ensino superior, a distância entre ricos e pobres não diminuiu.
"Nos outros níveis de ensino, a renda familiar ainda é um fator determinante no acesso à escola, mas houve uma grande diminuição da desigualdade na faixa etária de 7 a 14 anos", afirma a pesquisadora em educação Dolores Kappel, do IBGE.


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